Hissène Habré, o fim da «ingerência» do TPI nos casus belli africanos?

A presumível perseguição do Tribunal Penal Internacional(TPI) contra os líderes africanos, acusados de crimes de guerra e contra a humanidade, à luz do Estatuto de Roma de 1998, provoca nos demais políticos do continente, sobretudo os que há mais tempo estão no poder e suspeitos de cometer tais crimes, a sensação de imparcialidade do Tribunal. A condenação de H.Habré pelas Cameras Extraordinárias Africanas (CEA) será o início do fim dessa ingerência?


Personagem controverso, H.Habré, chegou ao poder no Chade há dois anos da independência do Zimbabwe e da guerra Iraque-Irão, no período da vigência do apartheid na África do Sul e quando a cortina de ferro Este-Oeste dominava as relações internacionais, cujas potências mundiais (URSS e USA) eram engajadas a evitar a eclosão da terceira guerra mundial, transferindo as suas disputas para as zonas marginais, conforme a visão de R.Nixon. Neste cenário, con Chade que experimentava persistentes níveis de instabilidade político-militar, em 1982 H.Habré instalou-se nas poltronas do poder em consequência de un coup d’etat contra Oueddei, que refugiando-se na margem setentrional do país obteve o apoio de Gheddafi, que sostentou seu movimento de contestação. Mas as ambicões geopolíticas do leader líbio na região não tiveram sucessos face a ajuda das potências ocidentais a Habré, e em 1987, vencendo a coalição Oueddei-Gheddafi, emergiu como líder indiscutível e legítimo do país.

Não obstante o seu sucesso contra a coalição e a manutenção da integridade territorial do Chade, a Habré – afastado do poder por um contra-golpe de Estado por Idriss Deby em 1990 – foram imputados graves crimes cometidos durante o seu consulado de oito anos. A sua condenação a prisão perpétua pelas CEA derivou dos crimes de estupro, de redução a escravidão, de desaparecimento forçado de pessoas, bem como do assassinato de cerca de 40 mil pessoas, entre inocentes e adversários políticos, que ao abrigo do artigo 7º do Estatuto de Roma configuram crimes contra a humanidade.

Habré tornou-se assim no primeiro ex-líder de um país africano condenado por tais crimes por um tribunal ad hoc africano, por juízes africanos, e em base do direito processual africano.

A constituição do processo-crime contro ele não era, todavia, o primeiro que visava um antigo líder africano. A diferença do processo em que se viu envolvido, gerido totalmente pelas autoridades africanas em parceira com Senegal, país onde viveu em exílio desde os anos noventa, os demais processos foram e estão sob alçada do TPI. Tratam-se dos casus belli:

– de Charles Taylor, ex-Presidente da Libéria, acusado e condenado pelos crimes ao abrigo do artigo 8º (crimes de guerra, do Estatuto de Roma), julgado culpado pelos eventos ocorridos entre 1991-2002 na Serra Leoa. Condenado em 2012 a cinquanta anos de prisão, pena confirmado em Apelo em 2013, Taylor é o primeiro ex-Presidente de um país a ser condenado pelo TPI, desde o fim da segunda guerra mundial;

– de Omar al Bashir, Presidente do Sudão, acusado pelo TPI pelos crimes de guerra e contra humanidade pelo seu eventual envolvimento nos massacres de Darfur, e a quem pende um mandado de captura datado desde 2008;

– de Uhuru Kenyata e William Ruto, hoje Presidente e Vice-presidente do Kenya, considerados responsáveis pelo conflicto pós-electoral de 2007 no país;

– de ex-Presidente ivoariano Gbagbo, ainda em julgamento em Haia, acusado pelos crimes contra a humaniade cometidos durante o conflicto pós-electoral de 2010, entre outros casos de individualidades julgados pelo genocídio de Ruanda de 1994.

Face a essa onda de processos penais envolvendo africanos, a União Africana (UA) no fim de uma reunião extrarodinária de outubro de 2013, convocada para analisar a saída colectiva do TPI (onde constitue o maior bloco, com 34 país dos 122 membros do tribunal), recomendou o afastamento dos casos Kenya e Sudão do dimínio do TPI, considerados livres de quaisquer crimes pelos parlamentos nacionais, como no caso do parlamento kenyano que inclusive havia votado em 2013 uma monção que illegitimava a jurisdição da Haia sobre o caso. A possibilidade do abandono colectivo africano do TPI é ainda presente sobre a mesa de trabalhos da UA.

Se de um lado, o Presidente e Vice-presidente do Kenya viram-se depois ilibados das acusações, por insuficiência de provas, condição importante que teve como impacto fundamental a visita oficial do Presidente Obama ao país da África oriental em Julho de 2015, do outro lado, restam ainda pendentes todos os outros casos, em especial a execução do mandado de captura internacional que pesa sobre o Presidente Omar el Bashir, que conseguiu «escapar» da África do sul em Junho de 2015, quando partecipava de um summit da AU, na sequência de uma solicitação de captura emetida pela Courte superiore, graças a cobertura do governo de Jacob Zuma, que mereceu críticas por parte do poder judicial que o acusou de ter violado os compromissos internacionais do país, já que sendo um dos membros do TPI a África do Sul tem a obrigação de executar os mandados de capturas emitidos pela Courte penal.

Todavia, se a singularidade da sentença contra Habré está na «africanização do casus belli Hissène Habré», ela se insere também e fundamentalmente numa relavante estratégia da União Africana que visa a «deslocalização dos dossiers penais» em que estejam envolvidos personalidades africanas do Tribunal Penal Internacional para CEA, a serem instituídas perante um tribunal de um país membro da organização continental africana.

As CEA junto da qual H.Habré foi julgado e condenado, criadas em 2012 na sequência de um acordo entre o governo de Senegal e a UA (acordo sucessivamente formalizado pelo parlamento do Senegal com a lei numero 2012-25 de 19 dezembro de 2012), constituem não só um precedente histórico para casos futuros, mas é igualmente um importante passo no sentido da concretização dessa estratégia da UA. Inauguradas pelo dossier Habré, essas CEA podem ser naturalmente entendidas como a re-apropriação da soberania africana em matéria penal, aplicando normas de ius cogens subjacentes ao próprio Estatuto de Roma que cria o TPI, em concurso com normas do direito processual ou regional(no caso do Tribunal de Justiça da CEDEAO-Comunidade económica dos Estados da África ocidental) o nacional(no caso do Senegal).

Se esta visão africana é concebida para «travar» a presunta «ingência» e «imparcialidade» daquele tribunal em prejuízo do continente africano, resta a saber qual será a reacção da Haia, ao mesmo tempo se espera pelo não cometimento de crimes hediondos no continente berço.

Dott. Issau Agostinho

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