A Diáspora Angolana poderá votar em 2022. Qual círculo eleitoral e quais directos representantes parlamentares?


A revisão da Constituição da República de Angola em 2021, já como previsto pela Lei Constitucional de 1992, restabeleceu o direito de participação ao voto pelos cidadãos angolanos residentes no exterior, na qualidade de eleitores activos e não passivos. Considerando a reintegração do voto, questiona-se se haverá o círculo eleitoral exterior com os respectivos Deputados. Como mudou esse figurino entre 1992 e 2021?


 Círculo eleitoral exterior e respectivos Deputados em 1992

   A Lei de Revisão Constitucional, nº23/92, de 16 Setembro, em vigor desde àquela data até à entrada em vigor da Constituição da República de Angola (CRA) de 2010, trouxera uma novidade normativa em matéria da participação dos angolanos no exterior nas eleições legislativas. De acordo com o postulado na alinha c), do 79, «para as comunidades angolanas no exterior é constituído um círculo eleitoral representado por um número de três Deputados, correspondendo dois à zona África e um ao resto do mundo» (Lei de Revisão Constitucional, 1992). A novidade consistia de dois elementos: 1. Dos 223 Deputados, três eram representantes da Diáspora angolana na Assembleia Nacional e 2. A existência de um círculo eleitoral exterior (que elegia os 3 Deputados) ao lado dos ciclos provinciais (90 Deputados) e nacional (130 Deputados).

Círculos eleitorais e respectivos Deputados em 2010

   Com aprovação e vigência da Constituição da República de Angola de 2010, os dois elementos de novidade acima expostos foram completamente ab-rogados, na medida em que o artigo 142, relativo ao sistema eleitoral, determinava que «Os Deputados são eleitos por sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico pelos cidadãos nacionais maiores de 18 anos de idade residentes no território nacional, considerando-se igualmente como tais os cidadãos angolanos residentes no estrangeiro por razões de serviço, estudo, doença ou similares» (CRA, 2010). Com este postulado, viu-se reduzido o número de Deputados dos anteriores 223 (em 1992) a 220 (em 2012 e 2017) e os círculos eleitorais de três (exterior, provincial e nacional, em 1992) para dois (provincial e nacional, em em 2012 e 2017).

   Contrariarmente ao número 1, do artigo artigo 57 (1992), que dispunha a eleição do Presidente da República apenas pelos «cidadãos residentes no território nacional» e o Parlamento por todos os cidadãos angolanos entre os residentes em Angola e no exterior, a CRA de 2010, como acima explicitado, concedia o direito ao voto nas Eleições ditas “Gerais” apenas aos cidadãos angolanos residentes em Angola, cujas excepções aí subjacentes, não tendo sido actuadas (pois, a referida componente não votou sequer nos ciclos eleitorais de 2012 e 2017), não passaram de um mero desejo do constituinte. Em todo o caso, com ou sem restrições legais, os angolanos residentes no exterior não votaram nem 1992, em 2008, em 2012, nem tampouco em 2017. Simplesmente, jamais votaram em ciclo eleitoral algum desde o advento das eleições multipartidárias em 1992!

 Círculo eleitoral nacional e voto da Diáspora Angolama após a revisão da CRA em 2021

   A Lei de Revisão Constitucional, Lei nº18/21, de 16 de Agosto, alterou um total de 30 artigos, dos quais pelo menos três interessam a presente análise: os artigos 107, 143 e o 144.

   Em primeiro lugar, o número 1, do artigo 143 sancionou que «Os Deputados são eleitos por sufrágio universal, livre, igual. directo, secreto e periódico pelos cidadãos nacionais maiores de 18 anos de idade residentes no País ou no exterior» (CRA revista, 2021). Aqui, como se vê, a revisão constitucional trouxe de volta a observância do direito ao voto aos angolanos no exterior à diferença da CRA de 2010 e à semelhança da 23/92. Todavia, contrariamente a esta última, que restringia o direito à apenas eleições legislativas, isto é, a votar só para Deputados, com a CRA revista o seu voto implicará a eleição quer dos Deputados, quer do Presidente da República, em virtude do artigo 109 da Constituição.

   Em segundo lugar, o artigo 144 alterou apenas a alinha a), do número 2, que em virtude da readmissão do voto conforme o artigo 143, determina que «Um número de 130 Deputados é eleito pelo círculo nacional, considerando-se, para o efeito, a todalidade dos votos validamente expressos no País e no exterior» (CRA revista, 2021). Se comparado com a norma constitucional de 1992, que dispunha daquelas duas novidades acima expostas, com a presente norma não foram reintegrados nem o círculo eleitoral exterior, nem os três Deputados desse círculo, mas condensa-os no círculo eleitoral nacional, ou seja, os 130 Deputados do círculo nacional compreenderão, igualmente, o círculo exterior. Porém, questiona-se: quem representará ou responderá pelos anseios específicos da Diáspora Angolana no Parlamento Angolano se esta não disporá de um só directo representante parlamentar, como na formula de 1992?

   Por fim, o artigo 107, relativo ao registo eleitoral, na sequência da conformidade da norma revista ao voto pela diáspora, alterou o número 2, estabelecendo que «No exterior do País o Registo eleitoral é actualizado presencialmente, antes de cada eleição, nas missões diplomáticas e consulare(CRA revista, 2021). Não tendo definido o «antes», se significa um mês antes, ou uma semana antes, ou três meses antes, esta indefinição poderá resultar na impossibilidade material de realizar o registo e daí permitir a diáspora de votar, repetindo-se o cenário de 1992 ou de 2008. Pelo menos até hoje (que constitui o antes da eleição de Agosto próximo) não há informações que a missão diplomática de referência tenha começado a fazer o registo eleitoral!

   Em suma, embora a revisão constitucional tenha reintegrado o direito de voto nas eleições para a Diáspora Angolana, a não existência de um círculo exterior ou a não determinação de Deputados daquele círculo do conjunto dos 220, que possam velar pelos interesses ou anseios específicos da Comunidade Angolana no exterior, como, aliás, era previsto na norma de 1992, poderá diluir a vontade das autoridades executivas do país e da sociedade civil numa incerteza legislativa e representativa dos angolanos no exterior do país. Todavia, não deixa de ser positivo o desejo do revisor constituinte de restituir à uma parte da fonte do poder soberano o direito de escolher os seus representantes parlamentares, que se espera não seja um mero desejo como em décadas anteriores. Um primeiro sinal encorajador neste sentido será quando as missões diplomáticas e consulares lançarão suas respectivas campanhas de registo eleitoral dos mais de 400 mil angolanos residentes no exterior por inúmeras razões e contingências.

Issau Agostinho

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