A posição italiana face a independência de Angola entre 1950-1970

Durante o século XIX, as potências marítimas e continentais, entre elas a Inglaterra, a França, Portugal e Espanha, e a Bélgica, apressaram-se a delinear a ocupação efectiva de territórios africanos onde tinham estabelecido uma influência notável, que da li a pouco redundará em colonização e exploração para a satisfação dos seus interesses comerciais e materiais. 


   Neste período, o risco de um conflito militar directo entre essas potências pela posse de territórios é muito significativo, o que terá estado na base da convocação da conferência de Berlim pelo Chanceler alemão Otto Von Bismarck, que irá propor, entre outros, as formas de navegação no Rio Congo (zona de influência portuguesa e belga), bem como métodos de repartição e legitimação de regiões sob influência daqueles países.

   A Itália, tale como Alemanha, era uma das mais novas nações europeias na segunda metade do século XIX, mas de importância geopolítica muito distinta entre si, sendo a Alemanha aquele que, por ter derrotado a França de Napoleão III, na batalha de Sedan (na época a principal potência europeia) granjeou um maior prestígio entre ambas. Todavia, entre os convidados para a conferência de Berlim durante os primeiros dias de Outubro de 1884, não constava a Itália, e tal facto de um lado criou profundo mau estar ao governo de Agostino Depretis e ao seu ministro dos negócios estrangeiros, Pasquale Stanislao Mancini, pertencentes a Sinistra Storica (1876-1887), e de outro, relançava a ideia de uma percepção da Itália como uma nação de um peso relativamente inferior naquele período no contexto internacional.

   Na sequência de vários telegramas enviados a Berlim a protestar pela exclusão da Itália  naquela conferência, o governo alemão fez notar que tal devia-se ao facto de a Itália não possuir interesses coloniais ou de navegação na África Ocidental. Mas para Roma, a exclusão daquele evento, segundo Teobaldo Filesi,  “não jogava do ponto de vista político a reforçar a posição de Itália no contexto das nações europeias”.

   Num segundo momento, isto é, a 18 de Outubro de 1884, Roma seria finalmente convidada a participar na conferência de Berlim.  O objectivo de Mancini era o de defender os interesses italianos na África Oriental e do Mediterrâneo, mas ao mesmo tempo apoiar os interesses portugueses em África ocidental, graças as relações de amizade que existiam entre os dois reinos : o reino de Itália e a monarquia portuguesa.

   Ora nesta fase, como é óbvio, a posição italiana é coerente com as suas aspirações colonialistas e de defesa de interesses comuns para a manutenção do equilíbrio entre as monarquias europeias, embora no post-Restauração ou post-Sistema de Metternich, e tal mantém-se durante os governos sucessivos ao de Depretis, isto é, durante o governo de Francesco Crispi, que sofreu uma dura derrota na Batalha de Adua que visava ocupar aquela zona etíope, em 1896, mas também durante a fase que a historiografia Italiana designa por crise do fim século, que viu chegar ao governo Giovanni Giolitti que por via da guerra contra a Turquia ocupou a Libia em 1911.

   Giovanni Giolitti, através do alargamento do sufrágio universal masculino, em 1912, aboliu praticamente a Bolla Non Expedit de 1874, do papà Pio IX, que proibia a participação dos católicos na vida política quer como eleitores passivos quer como activos. Esse facto é de extrema importância porque terá depois implicações no percurso da história angolana recente, como veremos. 

   Durante a vigência do regime de Mussolini a política colonial e racial de Itália não poderiam permitir a alteração do status quo ante em favor de uma agenda de descolonização e de consequência favorável à Angola e contra os interesses portugueses naquele território. Pelo contrário, o fascismo e o Salazarismo possuíam muitos tratos que os uniam. Segundo Mario Ivani, citando Rosas, “o salazarismo inseri-se na categoria de fascismo, enquanto que Philippe Schmitter o defini como um regime autoritário, conservador e burocrático”. 

   Por conseguinte, a alteração deste status quo ante só vai ter lugar no período posterior a Segunda Guerra Mundial.

   Com efeito, devemos considerar que após a Segunda Guerra Mundial, a situação colonial em Angola teve um dos piores momentos da sua história, ligada ao advento do Estado Novo em Portugal, já que por um lado, Angola perdeu a sua autonomia administrativa e financeira sancionada durante o governo de Norton de Matos, através das leis números 277 e 278, de 1914, e por outro lado, a crise econômica da colônia angolana dos anos 20 obrigou as entidades coloniais a solicitar financiamento externo à metrópole para atender às necessidades locais. Mas Portugal de Salazar, ao ter criado uma nova concepção do Estado português,  ab-rogou a constituição liberal de 1910 e transformou as colônias em províncias ultramarinas portuguesas, impondo novas leis de trabalho forçado, pagamento de impostos sobre o trabalho em prejuízo  das populações locais que já se iam organizando em vários movimentos cívicos, que mais tarde nos anos 50 e 60 se transformaram em movimentos reais de independência.

   Assim, o advento dos movimentos indipendentistas angolanos (FNLA, MPLA, UNITA) ocorre  num contexto regional em que países vizinhos de Angola já estavam independentes (2 Congos e Zâmbia), enquanto que no sul a Namíbia continuava a ser ocupada pela minoria Branca sul-africana. Inspirando-se aos países vizinhos, os movimentos de independência iniciaram a sua luta armada nos anos 60. E aqui assinalam-se dois eventos históricos: o 4 de Fevereiro e o 15 de Março de 1961, que desencadearam uma resposta portuguesa violenta. Esta violenta reacção portuguesa contra os angolanos despertou o interesse da comunidade internacional reunida nas Nações Unidas.

   De acordo com Andre Thomashausen a comunidade internacional, no âmbito das Nações Unidas, começou a discutir o dossier Angola em 1961, quando a primeira resolução do Conselho de Segurança, número 163, de 9 de Junho de 1961,  foi proposta pela Libéria, condenando Portugal pela contínua submissão de Angola e dos angolanos. Esta resolução contou com o voto favorável dos Estados Unidos da Administração Kennedy, e foi aprovada não obstante a abstenção da França e do Reino Unido.

   No entanto, esta resolução histórica foi discutida após uma outra precedente aprovado em 1960 pela Assembléia Geral da ONU: a resolução 15/14 de 14 de Dezembro de 1960, relativa à descolonização dos países ainda sob domínio colonial, que foi aprovada com o voto favorável da Itália. Dito isto, considerando que Angola foi incluída na lista de países sob o domínio colonial em 1960, o voto favorável da Itália significou a roptura do paradigma das relações que as entidades italianas mantinham com o governo português colonialista em favor da liberdade e da independência angolana. E é justamente aqui que a política externa da Itália para com Angola inicia a registar um maior interesse para o destino dos angolanos.

   E quem são os membros do governo italiano neste período?

   Ora, na década de 60 o partido político que estará no governo por mais de meio século é a Democrazia Cristiana (DC), fundado por importantes componentes do catolicismo italiano, em vésperas do declínio do regime fascista. E essa efectiva participação  dos católicos na vida política italiana é, como é natural, consequência da anulação da Bolla Non Expedit de que falamos acima. Mas no mesmo período, para além da DC, também o Partido Comunista Italiana (PCI) será de importância incontornável quer na conjuntura política italiana post-Mussolini, quer para maior aproximação ideológica com os movimentos de independência angolanos durante os anos 60 e 70.

   Segundo Hosea Jaffe, “depois do Congresso que o PCI organizou em Roma em 1970, Neto do MPLA, Cabral de PAIGC e Marcelino dos Santos da FRELIMO, encontraram-se com o Papa Paolo IV a 1 de Julho de 1970”.  Mas não se descura também o apoio da própria DC, se visto que isto ocorre durante o governo de Mariano Rumor, da DC, ou seja Rumor III,  e nesta altura o PCI era a segunda força política no parlamento italiano com 177 deputados e 101 senadores.

   Realça-se que este evento tem lugar à margem da segunda conferência internacional para a solidariedade aos povos das colónias portuguesas, que teve lugar em Roma, com a participação de mais de 177 organizações idos de 64 países.

   Por conseguinte, quando a Itália reconheceu a independência de Angola, a 18 de Fevereiro de 1976, tal ocorreu  durante o V governo de Aldo Moro (DC), em consonância com o Partido comunista italiano, guiado pelo Enrico Berlinguer, naltura, de igual modo segunda força política.

   Em síntese, este reconhecimento italiano, por muitos retido como o primeiro de um Estado da Europa ocidental (porém, Thomashausen afirma que a 17 de Janeiro de 1976 a França foi a primeira potência da Europa ocidental a reconhecer formalmente o MPLA como governo de Angola) não é um acto isolado, mas sim reflexo de um lungo período de esforços diplomáticos e institucionais italianos em favor da independência de Angola, sobretudo desde os anos 60, graças ao establishment de uma nova conjuntura política na Itália e à aproximação ideológica entre os partidos de esquerda nos dois países, provavelmente como forma de garantir-se acesso aos recursos enérgicos angolanos descobertos em 1958, já que entre Estados, mais do que idealismo, é o realismo que compagina a sua acção para a prossecução dos seus intereses permanentes.

Fontes consultadas:

1. Andre Thomashausen, The Role of the International Community, 2002.

2.Hosea Jaffe, Sudafrica. Storia Politica, 2010.

3.Issau Agostinho, Angola:Formação e Democratização do Estado, 2018.

4.Ivani Mario, Il Portogallo di Salazar e l’Italia fascista: una comparazione, June 2005.

5.Portal das NU, 1960. Declaration on the granting independence to colonial countries and peoples. https://undocs.org/A/Res/1514(XV)

6.Portal das NU, 1961. Security Council resolution (163). Question relating to Angola. http://www.refworld.org/docid/3b00f1312c.html

7.Portal ilgeopolitico, 2016. Quadro geralde intervenção italiana no sector energético em Angola e Moçambique. https://ilgeopolitico.org/dossier/

DR. Issau Agostinho

 

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