Essas duas estruturas são uma associação de países ex-colónias britânicas e francesas, respectivamente, criadas durante a vigência do colonialismo, isto é, em 1949 em relação à Commonwealth, e, ainda que a actual Organização Internacional de Francofonia (OIF) tenha sido criada em 1970 por personagens africanas oriundas de Senegal (mas curiosamente sedeada em Paris, e não em Dakar), o seu espírito radicou da visão estratégica francesa denominada «Françafrique», promovida na década de ‘60 e 70’ por De Gaulle, pai da 5ª República francesa, e Jacques Foccart, exponente da sua política externa em África. Por que quererá Angola ser parte delas?
Hoje, o que se designa por Commonwealth, é um aglomerado de países que durante a época colonial integrava a chamada British Empire (Império Britânico), que vigorou entre os séculos XVI-XX, enquanto que a Francofonia, embora de criação mais recente, é igualmente um aglomerado de países que em África esteve sob domínio colonial francês, cuja influência é ainda notória através do uso da moeda FCFA (Franco das Colónias Francesas em África) em países oeste-africanos.
Com o boom das independências africanas nos anos 50 e 60 do século XX, era natural esperar-se pelo fim dessas associações, ou pelo menos, pela não integração, participação e fim de membership de países africanos nessas estruturas. Pelo contrário, a distância de mais de meio século desde as independências africanas, África continua a ser o seu maior bloco de membros, e inclusive João Lourenço, presidente de Angola, manifestou o desejo de integrar a OIF, não à Secretaria-geral dessa organização ou ao presidente Macky Sall de Senegal (não significa que tal validasse tal pretensão), mas curiosamente ao presidente francês, Emmanuel Macron – o que implicitamente revela que na mente de João Lourenço a Francofonia quer dizer França -, durante a sua visita oficial à Paris, enquanto que o ministro dos negócios estrangeiros britânico parece ter afirmado no seu Twitter a sua satisfação pelo pedido de adesão de Angola à Commonwealth.
Em poucas palavras, Angola, sob a presidência de João Lourenço, manifesta a sua intenção de pertencer a três comunidades de línguas diferentes: A CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), a Commonwealth e a Francofonia, para não mencionar os PALOPs, que apesar de ser um fórum informal, é uma versão em miniatura da CPLP africana.
No entanto, não se sabe nem de perto, nem de longe – e como é recorrente – que estratégia, programa ou interesses vitais o executivo angolano pretenda alcançar com a presumível adesão à essas duas associações. Não se sabe se essa adesão, a ser um facto, vinculará o Estado angolano ad eterno, ou se é uma visão a curto prazo com vista a mandar um recado à CPLP sobre o seu falimento aparente, ou se visa recordar à Lisboa sobre a política externa “soberana” de Luanda à luz dos últimos acontecimentos de fórum judicial que vêem implicados personalidades que serviram o Estado angolano, e não só. Nem sabemos se se pretende que os angolanos todos comecem a falar essas duas línguas, nem se na futura revisão constitucional o inglês e francês serão incorporados como novas línguas oficiais de Angola.
Mais importante ainda, não sabemos se o executivo de João Lourenço tem a consciência da dimensão “paternalista” e da não partilha e rotação de presidência (simbólica ou honorária) no seio da Commonwealth, cujos Estatutos de Westminster de 1931 aludem que ela seja “governada” por rei/rainha do Reino Unido, o que mesmo se é ao nivel simbólico, tem o seu alcance prático e protocolar no relacionamento com os demais Estados membros.
De facto, contrariamente à CPLP e à OIF que não prevêem a figura de presidente (simbólico ou efectivo), mas sim a de Secretário-geral da organização, ao nível da Commonwealth, embora exista também a figura de Secretário-geral, cargo por regra rotativo (Cfr. Margaret P. Doxey, 1989:34), é a rainha Elisabeth II que a chefia, e durante a última reunião dessa associação, em Abril último, terá manifestado que no futuro seja seu filho, príncipe Carlos, a presidi-la. Ou seja, imaginemos que Angola adira a esta organização, e que consiga eleger um seu representante como Secretário-geral da Commonwealth, ainda assim, esse Secretário terá de trabalhar sob “presidência simbólica” da casa real dos Windsor. Em termos práticos, o Estado angolano, enquanto membro da Commonwealth, estará implicitamente sob a “presidência simbólica” da coroa britânica, que a preside por “direito natural”, por ser uma associação de ex-colônias que, no passado, estiveram sob a sua jurisdição e soberania.
Todavia, ambas as associações – incluído a própria CPLP, embora em grau menor, como reflexo da ausência de posições hegemónicas de Portugal na arena internacional – são, de facto, sinônimos do soft power britânico e francês vis-à-vis as suas ex-colónias, através das quais continuam a exercer importante influência na sua agenda política, económica e cultural interna, através das suas agências de apoio ao desenvolvimento, ou através da exclusão ou suspensão de determinados membros que não respeitem dados postulados úteis aos países promotores. Por exemplo, Zimbábue foi suspenso em 2002, por alegadamente não ter observado o princípio de eleições livres decorridas no ano anterior, situação que levara o então presidente Robert Mugabe a renunciar a sua membership, em 2003, enquanto que a República Centro-Africana (RCA) foi suspendida da OIF na sequência do coup d’etat contra françois Bozizé, em 2013. Podemos prever que se a reforma fundiária proposta pelo EFF e sustentada, em qualquer modo, pelo ANC, não decorrer no interesse geral das minorias europeias sul-africanas, a África do Sul arrisca-se ser também suspendida da Commonwealth.
Sob este prisma, a sociedade civil angolana teria um partner válido, desde que, perante a situação de violação eventual do Estado de direito em Angola, os comitês permanentes dessas duas associações se pronunciassem contra tal actuação, mas com o realismo internacional vigente, e à semelhança dos princípios chineses de cooperação com países em vias de desenvolvimento – também denominado por Orientalismo, Cfr. Edward Said, Orientalism, 1978 – os Estados se mostram cada vez menos inclinados a sacrificar relações económicas privilegiadas em nome dos direitos humanos.
Ademais, a percepção deste soft power que caracteriza a Commonwealth, por exemplo, terá feito com que os Estados Unidos de América não fossem membros desta associação, o que é curioso, sendo a maior ex-colônia inglesa no hemisfério norte. A não pertença dos Estados Unidos à Commonwealth revela, a olhos nus, a contrariedade entre os interesses nacionais de um, e a visão paternalista de outro.
Reitera-se que, não conhecendo as razões da manifestação do executivo angolano em aderir às duas estruturas, não seja possível fazer-se um enquadramento cabal nos cânones das teorias de relações internacionais.
Hipoteticamente, porém, se a primeira razão é baseada no facto de Angola ser rodeado por países de expressão inglesa (Namíbia e Zâmbia) ou francesa (Congo e República Democrática do Congo), ou se a segunda é o facto de elas (Commonwealth e OIF) exercerem um papel na resolução de conflitos em África, então a primeira seria baseada numa falsa premissa, porquanto a diferença linguística com países fronteiriços não justifica a pertença a uma organização promotora da língua dominante (veja-se o caso da Alemanha, que apesar de fazer fronteira com a França e a Bélgica, não faz parte da OIF). Além do que, a relação entre Angola (expressão portuguesa) e seus vizinhos (expressão inglesa e francesa), há 43 anos desde a independência nacional, não parece ter sido condicionada negativamente por diferenças linguísticas, salvo opinião cientificamente comprovada.
Já em relação à segunda, questiona-se se Angola, enquanto membro da UA (União Africana), SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral), CEEAC (Comunidade Econômica dos Estados da África Central), e da CIRGL (Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos) não seja mais capaz de intervir com eficiência na resolução de conflitos político-sociais e militares no continente e nas regiões em que se insere, pelo facto de ser de língua oficial portuguesa. Recorde-se que durante os dois mandatos (2014-2017) como presidente da CIRGL, foi notório o reconhecimento do papel de Angola na resolução de conflitos na RCA, não obstante este seja um país de expressão francesa. E em curso, destaca-se o empenho dos presidentes do Congo e da CIRGL, Sassou Nguessou, e mesmo de Angola, João Lourenço, na promoção de uma via negociada para a crise política na RDC.
De facto, e enquanto aguardamos pela publicação e publicitação das razões da eventual adesão de Angola à OIF e à Commonwealth, vale a pena frisar que a política externa de Angola em África poderá perder a sua autonomia e iniciativa, se a razão de ser da sua adesão for “a importância dessas organizações na resolução de conflitos em África”. O que se esperaria – e isso tem sido feito pelo ISRI Venâncio de Moura – é a capacitação de quadros nacionais ao serviço da diplomacia em matéria de maior domínio do inglês e do francês (não se confunda o uso dessas línguas com a adesão àquelas associações), ao mesmo tempo que se deveria continuar a envidar esforços para a promoção da língua em português (como dizia Camões) como língua de trabalhos junto das organizações internacionais e regionais de que Angola é parte.
Dado o facto de que, regra geral, Portugal não interfere nos assuntos internos e na política externa de Angola, decorrente da sua posição menos hegemónica e interventora no contexto internacional relativamente aos seus pares franceses e britânicos, Angola tem na CPLP uma excelente oportunidade de manter-se em pé de igualdade ou até em maior relevância em relação aos demais Estados membros, do que o haverá tanto na OIF, quanto na Commonwealth, que mais parecem e são – por via daquele Soft power – instrumentos de política externa de Paris e Londres.
Por agora, e sempre que se queira melhorar o que está muito mal no país, as autoridades nacionais, em geral, e as diplomáticas, em particular, em parceria com as associações empresariais e de sindicatos, deveriam empenhar-se muito mais ainda na captação de investimentos directos seja estrangeiros, como também dos nacionais. Todavia, a cultura do auto-empreendedorismo e da promoção de uma classe nacional de empresários inovadores é crucial nesta era da Terceira Revolução, sob pena de – assim como se pretende aderir a associações cujos frutos são desconhecidos – ser desenvolvida uma economia nacional controlada por estrangeiros, com negativas implicações no tecido político e da segurança nacional (o debate em curso em outras paragens sobre se são os mercados que votam ou se são os cidadãos, pode ser um exemplo claro quando a economia de um Estado estiver em mãos alheias).
Enfim, como uma perspectiva que se espera venha a ser realizada por futuros líderes angolanos, Angola deveria começar a pensar na criação de uma língua nacional própria, para uma maior projeção da sua identidade, importância e interesses no contexto internacional, a par de todos os demais países que falam suas línguas, como a China, a Rússia, a Alemanha, a Itália, a Espanha, o Japão, a Coreia, incluído a própria França, Reino Unido ou Portugal. De facto, a língua de um país é sinônimo da sua verdadeira soberania e independência, não só política, mas também cultural e económica, sendo também instrumento de política externa, como precisamente o fazem os franceses e os britânicos através da OIF e da Commonwealth.
You may also like
-
How the “Limited Legitimacy Syndrome, LLS” undermines democracy and national interests in Africa
-
L’Africa tra la Cultura della Pace e la Pace attraverso la Cultura. Una lettura complementare delle Biennali di Luanda
-
L’Afrique face aux défis du marché du travail: une nouvelle vision pour le développement
-
África entre a Cultura da Paz e a Paz através da Cultura. Uma leitura complementar das Bienais de Luanda
-
Como é que a «Síndrome da Legitimidade Amputada, SLA» prejudica a democracia e os interesses nacionais em África