Angola e Estados Unidos estabeleram relações diplomáticas a 19 de Maio de 1993, quando a Administração Clinton reconheceu o Estado angolano e o seu governo liderado pelo MPLA e José Eduardos dos Santos. Quais são alguns dos principais traços históricos no caminho deste reconhecimento, entre a década de 1960 até àquela data? Os empecilhos eram meramente ideológicos ou do receio da nacionalização dos interesses económicos de empresas estado-unidenses operantes em Angola desde o período colonial, a exemplo de Cuba de Fidel Castro?
Ambiguidade de posições no período colonial
É inegável que houve uma ambiguidade internacional de posições sobre a descolonização de Angola. Porém, independentemente dos interesses das chancelarias e/ou das burguesias internacionais no Dossier Angola, urge notar que esta ambiguidade foi maximizada pelo facto de os Movimentos de Libertação de Angola terem tido contradições políticas e raciais, agudizadas a partir da década de 1960, sobre a condução dos destinos de Angola pós-independente.
Para a FNLA o MPLA, na altura dirigido por mestiços, não era movimento ideal para guiar Angola no pós-independência. Segundo José Eduardo Agualusa (1993) em Tentativa de Explicação de Angola. A Componente Etno-cultural da Guerra Civil, transcrevendo as palavras de Jonas Savimbi, citadas por Fred Bridgland (1988), era ‘um facto que era muito difícil, naquela altura, para os africanos, compreender porque é que os mestiços estavam a liderar um movimento de libertação contra os portugueses’(p.1). Estas acusações levariam a duas consequências importantes para o MPLA, em particular, e para Angola, em geral.
Para o MPLA houve uma fractura interna sobre a saída ou a manutenção dos mestiços na direcção do movimento, que segundo Pinto (2016) em A Questão Identitária na Crise do MPLA (1962-1964), aconteceu “(…) entre os anos de 1962 e 1964, opondo duas das principais figuras do movimento: Viriato da Cruz e Agostinho Neto” (p.142). Para Angola, no geral, o apoio do Comité de Descolonização e do reconhecimento da OUA a FNLA e ao seu GRAE como único e legítimo representante do povo angolano significou, de um lado, o apelo à unidade entre os Movimentos de Libertação angolanos, de outro, um sinal do risco de ambiguidade nos alinhamentos ideológicos e dos apoios a fornecer entre um movimento e outro e a consequente agudização da conflitualidade, que passaria da política e racial à armada.
A manutenção dos interesses económicos do período colonial
É bastante comum pensar-se que o conflito armado em Angola tenha mais uma dimensão das assimetrias ideológicas do que uma fundamentação económica e da manutenção dos interesses capitalistas adjudicados durante a colonização e sobre qual movimento (MPLA, FNLA, ou UNITA) melhor garantiria a prossecução desses interesses.
Bruno Crimi e Uliano Lucas (1975) em La Primavera di Lisbona. Anno Primo della Rivoluzione, dizem que António Salazar se “(…) tinha decidido de «vender» Angola ao capital internacional após o início da guerrilha neste território (1961). Até então, o seu «ultra-colonialismo» tinha-o impedido de ter a mínima abertura aos trusts” (p.113), para além de manter os interesses das grandes famílias burguesas portuguesas nos Territórios de Ultramar, incluindo dos seus familiares, com realce ao Moçambique. Às vesperas da independência nacional de Angola, esses interesses estavam assim distribuídos: os do sector agrícola estavam largamente em mãos aos portugueses, nos minérios e indústria a “Tanganika Concessions (Reino Unido e África do Sul) é proprietária dos Caminhos de Ferros de Benguela. (…) O grupo Diamang (África do Sul) tem o monopólio da extração dos diamantes em 81% do território. (…) O petróleo explorado no off-shore no enclave de Cabinda pela Gulf Oil (EUA). (…) O ferro desfrutado pela Krupp (República Federal Alemã) (Crimi e Lucas, ivi, p.114).
A posse dos recursos de Angola em mãos a essas empresas, num contexto internacional marcado pela emergência do neoliberalismo (em certas doses contrário ao Social Capitalismo actuado durante o New Deal), teve o condão de acelerar a conflitualidade interna entre os Movimentos de Libertação Nacional, apoiados por governos dos Estados de onde tinham origem aqueles capitais.
EUA temem o «efeito Cuba» sobre Angola
A Revolução Cubana do Movimento de 26 de Julho foi, essencialmente, provocada pela percepção de injustiça social sobre as populações e sobre o território cubanos reinante (Ver o discurso de Fidel Castro na Assembleia Geral das Nações Unidas, de 26 de Setembro de 1960) durante o regime de Fulgêncio Baptista, derrubado em Janeiro de 1959, num país onde os capitais estrangeiros tinham a mesma importância que em Angola. Mas, à diferença de Angola, Cuba era um Estado independente desde finais do século XIX (mesmo se Fidel Castro dirá em Abril de 1959, em Washington DC, ao National Press Club que Cuba estaria sob o colonialismo estado-unidense por via daqueles capitais).
No caso, o efeito de Cuba sobre Angola não seria só o da expansão do socialismo em Angola (o artigo 9º da segunda revisão, a 7 de Fevereiro de 1978, da Constituição de Independência, introduziu o conceito de propriedade socialista. Ver em: Issau Agostinho. Angola, Formação e Democratização do Estado, 2018, p. 59), ou o do apoio material quer à luta contra o colonialismo, quer contra o Apartheid na África do Sul (com fortes interesses capitalistas em Angola). O receio era, essencialmente, o da nacionalização das empresas daqueles trusts vendidos pelo regime salazarista, que operavam em Angola, à semelhança do que Cuba fizera no pós-revolução de 1959 e que lhe valeu o embargo económico ainda em curso.
Ao que consta, a Angola de Neto – quiçá, temendo o mesmo fim de Cuba – não nacionalizou as empresas petrolíferas, nem grande parte dos interesses daqueles capitais resultantes da «venda» de Salazar. Contudo, será essa não nacionalização que conduziu Angola pós-independente passar do campo das divergências económicas (desnecessárias, dada a manutenção daqueles interesses, sobretudo das empresas dos EUA), para o das divergência ideológicas durante a Guerra Fria.
As primeiras tentativas do reconhecimento do Estado angolano durante a Administração Carter
As primeiras tentativas de reconhecimento de Angola pelos EUA datam desde, pelo menos, a Administração Carter. Isto é, na transição entre as Administrações Ford e Carter os EUA votoram a favor da Resolução do Conselho de Segurança 397(1976), de 22 de Novembro de 1976, que aprovou admissão de Angola nas Nações Unidas. E já na Assembleia Geral aprovaram, igualmente, a Resolução A/RES/31/44, de 1 de Dezembro, que validou a admissão da República Popular de Angola como membro das Nações Unidas. Entre 1977 e 1978 os emissários dos Estados Unidos – Administração Carter – mantiveram encontros com as autoridade angolanas, em Luanda.
Dos arquivos históricos consultados resulta que em Dezembro de 1977 o Ministro das Relações Exteriores, Paulo Teixeira Jorge, recebeu, em Luanda, o Vice-representante dos EUA nas Nações Unidas, o Embaixador Donald F. Mchenry. No certame o ministro angolano ilucidou as preocupações de Angola em relação ao apoio a UNITA, FLEC e FNLA e o seu desejo de manter relações diplomáticas com os EUA. Esse desejo fora igualmente transmitido pelo Presidente do Governo Federal Militar Nigeriano, Olusegun Obasanjo, ao Senador Dick Clark (promotor da Emenda Clark, que proibiu apoio militar dos EUA aos movimentos oponentes ao MPLA, em Janeiro de 1976), em visita a Lagos em Dezembro de 1976, dizendo-lhe que Junho de 1976 o Presidente Neto lhe tivesse confidenciado que pretendia melhorar as relações com os EUA.
Naquele primeiro encontro, do qual surgiu o Primeiro Grupo de Contacto entre Angola e EUA, o emissário reconheceu, dentre outros, o empenho do Estado angolano em estabelecer relações com os EUA, apelando a redução da dependência sobre os cubanos e soviéticos (Ver Graham Hovey, 1978, New York Times). O segundo encontro teve lugar em Junho de 1978, desta vez com o Primeiro Ministro Lopes de Nascimento, ladeado pelo Embaixador Pascoal Luvualu.
O fracasso do reconhecimento do Estado angolano pela Administração Carter deveu-se, em parte, e como dirá o próprio Embaxaidor estado-unidense, à oposição do Conselheiro Brzezinski (Ver sua entrevista à ADST em 1998). Todavia, a aprovação da Resolução do Conselho de Segurança 435/78, de 29 de Setembro de 1978, com voto favorável dos EUA sob a Administração Carter indicava um passo importante na mudança de posição sobre o Dossier Namíbia e das preocupações de Angola sobre o regime de Pretória.
De resto, é consabido que a Administração Reagan revogou a Emenda Clark, acelerou o apoio à UNITA e desalerou os esforços iniciados pela Adminstração Carter, embora se possa pensar que o apoio visava alterar a correlação de forças e garantir a UNITA uma posição previlegiada em prováveis negociações de paz, que acontecerão durante a Administração de George W. Bush, já seu vice-presidente.
O reconhecimento no ano de 1993 não é casual
Por conseguinte, a formalização das relações diplomáticas pela Administração Clinton, em Maio de 1993, era um acto tão natural quanto esperado.
O ano do reconhecimento foi imediato ao da realização das primeiras eleições multipartidárias em Angola, que, apesar das acusações de fraudes, para a comunidade internacional tinham sido livres e justas. Isto significou que, de um lado, a confrontação ideológica tinha conduzido a um beco sem saída, dada a manutenção do MPLA no poder e a derrota eleitoral da UNITA. De outro lado, revelou a confirmação ulterior que entre os EUA e a Angola já não era realístico manter-se a divergência ideológica num mundo pós-Guerra Fria, sendo que o governo angolano sempre manteve operante os interesses económicos das principais empresas estado-unidenses no território nacional, à diferença de Cuba, seu antigo aliado na luta contra o colonialismo e o Apartheid, que os havia nacionalizado.
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