No começo de Dezembro de 2024, o presidente sul-coreano anuncia a aprovação de uma lei marcial, motivada pela acusação à oposição de bloquear suas iniciativas de governação tanto de política interna, quanto de política externa, esta relativamente à Coreia do Norte. Vejamos, em síntese, como é que se passou da lei marcial à impugnação do presidente pelo Parlamento e à crise institucional na Coreia do Sul como jamais visto nos últimos 40 anos.
A eterna rivalidade militar entre as duas coreias e aumento do clima de insegurança
Nos úlitmos três anos, o clima de relacionamento – o mínimo existente – entre Seul e Pyongyang tem vindo a dar espaço a cada vez mais momentos de tensão política, militar e social, com maior incendência para o lado Sul do Paralelo 38.
Sendo quase impossível determinar o momento de «ignição» desta tensão, sendo que ambos os Países vivem na incerteza de segurança derivada da ausência de um Acordo de Paz sucessivo a Guerra da Coreia da década de 1950, o certo é que tanto os constantes lançamentos de misseis para o mar aberto pela Coreia do Norte, quanto a retórica de contenção pela Coreia do Sul exacerbaram o quadro securitário entre ambos, incluindo o Japão, já que muitos desses lançamentos sobrevoam-no antes de tombar no vasto oceano Pacífico, como foi o caso de míssil lançado a 4 de Outubro de 2022, dentre outros em número significativamente alto.
No entanto, chegado ao poder em Maio de 2022, o Presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol herdou a mesma situação de volatilidade e de imprevisibilidade na relação com o Norte, que procurará gerir tendo em consideração a possível política de reconciliação levada a cabo pelo seu antecessor, a calibragem da sua acção externa com a sentida doutrina de “Fim da Paciência Estratégica” levada a cabo pela Administração Biden, num clima regional e internacional marcado por divergência geopolíticas de baixa intensidade entre a China e os EUA sobre o Dossier Taiwan e o Mar ao Sul da China, e a cada vez mais aproximação realista entre a Rússia e a Coreia do Norte, que assinarão um Pacto de Mútua Segurança em 2024.
A Lei Marcial. Antecâmara de políticas containment sobre a Coreia do Norte?
A mídia reporta que o Presidente W. Putin teria promulgado o acordo de segurança colectiva com a Coreia do Norte a 11 de Novembro de 2024, assinado em Pyongyang durante o encontro mantido com o líder Kim Jong un, durante a sua visita em Junho do mesmo ano à Coreia do Norte, em meios a notícias de que soldados norte-coreanos teriam sido enviados para o reforço do contingente russo no conflito contra a Ucrânia.
Esse acordo, único no seu género entre a Rússia e a Coreia do Norte – já que não havia pacto de defesa colectiva durante a Guerra Fria, salvo melhor conhecimento –, insere-se num quadro de realinhamento e de aprofundamento de relações no domínio da defesa e segurança mesmo entre a Coreia do Sul e os EUA, que teriam chegado a um acordo para envio de submarinos nucleares dos segundos para a península em apoio a Seul.
Com efeito, a aprovação da Lei Marcial a 3 de Dezembro de 2024, poucas semanas após a promulgação do pacto de segurança colectiva entre a Rússia e a Coreia do Norte, pode ler-se como um estrategema que teria resultado, hipoteticamente, na aprovação ou envio de soldados, ou de equipamentos militares sul-coreanos, ou, então, em qualquer forma de apoio substancial da Coreia do Sul para a Ucrânia, no intuito de conter a noticiada participação de soldados norte-coreanos ao lado da Rússia na sua Operação Militar Especial contra a Ucrânia. Aliás, segundo justificações dadas pela aprovação do decreto da Lei Marcial, “O presidente acusou o principal partido de oposição de simpatizar com a Coreia do Norte e de actividades anti-estatais” (Ver a fonte aqui). Refira-se que – daí limitarmo-nos à hipótese, sem afirmações factuais –, não se base ao certo em que consitam nem a “simpatia à Coreia do Norte”, nem tampouco as actividades “anti-estatais”.
Anulada a Lei Marcial, o apelo à impugnação do presidente e a instabilidade política
As eleições legislativas de Abril de 2024 resultaram numa larga victória do Partido Democrático Coreano, que obteve um total de 161 lugares no Parlamento, num parlamento de 300 lugares. O Partido do Poder Popular (PPP), do presidente sul-coreano, obteve 90 assentos parlamentares.
Certo da força da sua maioria parlamentar e das manifestações populares de repúdio, e não obstante momentos após a presidência da Repúblicater ter anulado o decreto que previa a Lei Marcial, o Partido Democrático lançou uma monção de impugnação do Presidente, que falhou na primeira votação em 7 de Dezembro de 2024, graças à oposição dos membros de PPP, e que passou na segunda votação a 14 de Dezembro, com votos favoráveis dos parlamentares do PPP, o partido do presidente Yoon Suk-yeol, e dos demais que permitiram o alcance do quórum exigido de 200 votos favoráveis.
Apesar da sua substituição do cargo pelo Primeito-ministro, a oposição continua a exercer «Pressão Judicial» contra si, acusando-o de corrupção e a exigir imediata apresentação aos órgãos judiciais para o seu julgamento. Esse clima de pressão judicial, antecedido de impugnação do presidente, bem como os apelos à impugnação, inclusive, contra o Presidente ad ínterim, precipitaram a Coreia do Sul num caos político jamais visto desde a década de 1980.
Conforme norma constitucional, o Tribunal Constitucional deverá proceder a validação ou invalidação da impugnação do presidente deposto num espaço de 180 dias, cuja data de início de averiguação do caso foi estipulada para o dia 14 de Janeiro de 2025.
Essa moratória judicial, de um lado, justifica a presença e guarnição presidencial em estruturas oficias de Estado do presidente impugnado, quando a oposição esperava que ele estivesse já em julgamento, e de outro lado, contrariamente ao caso do Presidente Roh Moon-hyun, impugnado pelo Parlamento em 2004 e sucessivamente autorizado a continuar no poder pelo Tribunal Constitucional, o actual caso envolvendo o Presidente Yoon Suk-yeol poderá não ter a mesma sorte do seu antecessor, na medida em que, se em 2004 a impugnação não tivera apoio da população, em 2024/2025 a impugnação espelha ser uma demanda cívia, política e moral da maioria da população sul-coreana, pelo que o Tribunal não deverá fazer ouvidos de mercador, sob pena de mergulhar o País numa instabilidade cada vez maior e sem fim à vista.
Em caso de validadação da impugnação e o regresso do Partido Democrático ao poder, poderá assistir-se, novamente, a política de rapprochement entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul e entre a Coreia do Norte e os EUA, como durante a presidência de Moon Jae-in (2017-2022) e a primeira Administração Trump (2016-2020)?
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