A linguagem das manifestações em Angola

A chegada de João Lourenço (JLO) à presidência da República de Angola, em 2017, foi recebida com uma certa euforia e entusiasmo. Isto foi devido a política de combate à corrupção, que para muitos representava uma mudança de paradigma. Ao assumir o poder, JLO prometeu reverter e transformar a estrutura económica e política para a consolidação da democracia. As promessas encontraram terreno fértil num ambiente de forte contestação social, que permitiu, até, que suas políticas germinassem.


   Uma das promessas que tem desapontado a juventude é a dos 500 mil postos de emprego, que JLO havia colocado no seu compromisso eleitoral. A feira de emprego, que decorreu há provavelmente 1 ano, no Centro de Conferência de Belas, em Luanda, desapontou a expectativa da maioria dos jovens pela desorganização. A partir de então, muitas reivindicações têm ganhado espaço. Algumas reivindicações, pelo menos, foram bem negociadas, para citar apenas o caso do SINPROF. Porém, nos dias 24 de Outubro e 11 de Novembro do corrente ano, o país testemunhou a manifestações em massa sob o lema «Não é essa Angola que sonhamos», «o país não é do MPLA» e a «realização de eleições autárquicas», decorridas, principalmente, em Luanda.

   Essas manifestações simbolizam que a mudança política de 2017 não alterou a estrutura económica e social. O país regista, neste momento, uma taxa de desemprego de 34%, afetando a maioria da população jovem. Embora a pandemia da Covid-19 tenha acelerado a taxa de desemprego, a falta de uma resposta eficaz ao coronavírus por porte de Executivo de JLO deixou-o desacreditado. À medida que essa ineficácia aumentava, o regime começou a perder terreno e abriu espaço para a emergência do movimento social na forma de manifestação.

  Repressões e violações de direito constitucional, como práticas iliberais que sabotam a responsabilização do limite ao poder, estão a conduzir o país para a consolidação de um regime autoritário competitivo. Na classificação da V-Dem Institute, Angola obteve 0,35% na violação dos padrões democráticos, enquanto 11% para direitos políticos e 21% para a liberdade, segundo o relatório da Freedom House. O confinamento parece que cimentou a solidariedade social, devido a trocas de informações, e com o agudizar do desemprego e o elevado custo de vida, o regime está a ver-se numa crise de legitimidade.

    Por outra, as manifestações dos dias 10 e 12 de Dezembro aconteceram noutras províncias que estavam no silencio. Porém, foram mais pacíficas. Apesar de terem sido mais pacíficas, do ponto de vista da mobilização social, ganharam mais adeptos, e se prevê uma bolha ascendente para ano de 2021. Foram pacíficas, de um lado, devido atenção da comunidade internacional e por ter sido realizada no dia 10 de Dezembro, dia Internacional dos Direitos Humanos. Ganhou mais adeptos, por outro lado, porque a onda de manifestação está a tornar-se uma nova forma de participação política, e como observou Pierre Rosanvallon, as manifestações e os protestos, em todo mundo, podem se transformar num instrumento de transformação da democracia no século XXI, onde a soberania negativa marcada numa nova estrutura de conflito social entre a elite e o povo, os do topo e os das bases, dará lugar àquilo que chamou de democracia de rejeição.

  Uma outra força poderosa que está a emergir durante essas manifestações é a capacidade impressionante das redes sociais. Enquanto plataforma digital, as redes sociais estão a aumentar os subscritores de internet e a penetração de internet por 100 habitantes nos últimos anos. Cerca de 22,72% da população angolana já tem acesso à internet, apesar de que os custos dos tarifários continuam elevados. Sob administração de JLO, os angolanos tornaram-se mais activos no uso das plataformas digitais online e estão a caminhar para uma comunidade online mais vibrante, a partir da qual podem monitorar o governo.

   As redes sociais estão na vanguarda da mobilização independente que está a fortalecer uma sociedade civil emergente. Jovens conectados pelas redes sociais estão a denunciar, noticiar, expor irregularidades e a expressar opiniões e a mobilizar manifestações, e estão, sobretudo, a aprofundar a participação e a ampliar os horizontes da liberdade, aquilo que o estudioso de democracia Larry Diamond chamou de tecnologia da libertação. Este poder confirmou-se, acima de tudo, no dia 11 de Novembro, onde os participantes da manifestação, e não só, partilharam vídeos e fotografias que denunciavam a brutalidade na resposta dos agentes policiais, que levou, por exemplo, Nilto Alves e Laurinda Gouveia em estado crítico ao hospital e, sobretudo, a confirmação da morte de Inocêncio de Matos, e a indignação do resultado da austópia. Estamos, na realidade, diante daquilo que recentemente o historiador Italiano Carlo Ginzburg chamou do Vínculo da Vergonha.

   Como sucesso, estas manifestações podem promover uma ruptura no statu quo político. Como fracasso, elas podem fortalecer a convicção da elite política na legitimidade do seu poder, ao demostrar que não há, de facto, uma alternativa real a elas.

   A história ensinou-nos a pensar com os factos. Quem são os líderes destas manifestações? Há um projecto comum? Se tiver um líder, é provável que a política de cooptação funcione. Caso não, continuarão a assediar outras forças sociais no mesmo objectivo.

Isaías Falau

Referências

Carlo Ginzburg; O Vínculo da Vergonha. Disponível em; Revista Serrote, em especial quarentena. Julho de 2020, edição especial.

Freedom House. Disponível em; https://freedomhouse.org

Larry Diamond; Liberation Technology, em Journal of Democracy. July 2010.

Rosanvallon, Pierre; Counter Democracy. Politics in an age of Distrust. Cambridge University Press, Cambridge, 2008.

V-Dem. Varieties of Democracy. Disponível em https://www.v-dem.net/en/publications/democracy-reports/

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