No ano findo, uma das maiores surpresas internacionais foi a eleição de Trump para a Casa Branca, contra todos os prognósticos que indicavam a candidata democrata, Hillary Clinton, como a vencedora das eleições de Novembro último.
A surpresa da eleição do candidato republicano “anti-stablishment” foi devido ao facto de ter apresentado como propostas, durante as primárias e durante o duelo com a democrata, ideias que muitos consideravam (consideram) como antítese aos valores da sociedade estado-unidense, em matéria de política migratória, islão, a relação com aliados europeus e OTAN, e a sua visão relativamente a dois pesos mundiais: China e a Rússia.
No seu discurso de tomada de posse, em Capitol Hill, a Washington, em Janeiro último, Trump relançou a idea de “America First”, isto é, “Primeiro América” ecoando slogans que defendeu durante a campanha eleitoral que caíram bem aos ouvidos dos seus seguidores e apoiantes. Mas a idea de “America First” e tudo o que acarreta consigo, parece não agradar a todos os cidadãos que receiam que tal poderá contribuir ao isolamento dos Estados Unidos na esfera internacional. Os seus Executive Orders ( Decretos Executivos) que proíbem a entrada nos Estados Unidos a cidadãos de 7 países muçulmanos, dos quais três africanos (Sudão, Líbia e Somália), bem como a proibição de aceitação de refugiados sírios no país, provocaram ondas de indignação e de manifestações, ainda em curso, nos Estados Unidos, bem como uma batalha legal que envolve várias instituições executivas, legais e de segurança contra a Casa Branca.
Nestas condições, de aparente desarmonia institucional, de contestação popular e de um sentimento anti-Trump que cresce desde que tomou posse (recente sondagem da CNN apontam para uma taxa de aprovação de 40% do seu operato, dos quais 90% são republicanos, o que implica dizer que democratas e independentes não se revêem nos seus programas de governação e personalidade), os EUA muito dificilmente conseguirão (unidos) guiar com sucesso a sua influência além fronteiras.
Ao nível externo (e começamos por falar dos EUA pelo simbolismo que representa o alcance da sua política externa ao nível global), é importante frisar o seguinte: há o risco de “America First” vir a ser ” America alone”, ou seja, “América sozinha”, justamente porque a substância por trás de “America First” pode esconder um constante atropelo aos princípios e compromissos internacionais que ao longo dos 70 anos garantiram aos Estados Unidos a percepção de uma nação excepcional e verdadeira potência mundial.
Isto é, de um lado, os EUA são fundamentalmente uma nação de imigrantes (por exemplo, o avô de Trump era alemão, e a sua mãe da Escócia, enquanto a sua esposa provém da Eslovénia). Segundo dados, mais de 45% dos empreendedores e inovadores no âmbito das TIC’s são cidadãos estado-unidenses de genitores que imigraram para os EUA.
Do outro lado, a constante crítica a OTAN e aos aliados europeus, se pode a curto prazo fomentar correntes políticas xenófobas na Europa ( por exemplo, a francesa Marine Le Pen, do Front National, o italiano Matteo Salvini, do Lega Nord, o britânico Farage, ex líder di UKIP pro-Brexit, todos de extrema direita, apoiam as políticas de Trump), a longo prazo poderá afectar as relações bilaterais e multilaterais entre os países europeus (principalmente a França e a Alemanha) e a União Europeia. Os primeiros sinais europeus anti-Trump aconteceram durante a cimeira desta organização em Malta, na semana passada, quando Hollande e Merkel reconheceram estar nas mãos dos europeus o destino da Europa e da Uniao Europeia.
Ademais, o quadro sopramencionado não deixa de constituir um ripensamento da política externa dos EUA, sobretudo se ganhar uma dimensão legislativa com o envolvimento da maioria republicana no Congresso (porque só o Congresso faz leis. Os Executive Orders têm uma duração limitada e podem ser anulados pelo próximo inquilino à Casa Branca, como o próprio Trump pensa em anular decretos presidenciais aprovados pelo Obama), em que antigos aliados poderão transformar-se em simples parceiros diplomáticos e inimigos históricos, como a Rússia, passam a ter uma dimensão só tida durante os anos das duas guerras mundiais.
No entanto, tal situação pode igualmente pressupor que se desenham no horizonte (sempre que apoiado pelo Congresso e pela sociedade civil estado-unidenses) cenários em que alguns países, até agora inofensivos aos Estados Unidos, passem a ser tidos como ameaças aos interesses destes últimos. Este cenário, a verificar-se, poderá naturalmente alterar a natureza das relações estatuais e o equilíbrio de forças à escala mundial a curto e médio prazos.
Dito isto, a relação que a administração Trump estabelecerá com China determinará o nível de segurança no Pacífico, já que os dois países são as maiores potências militares naquele corredor, cuja primeira visita ao estrangeiro do novo Secretário de Defesa, James Mattis, à Coreia do Sul e ao Japão, revela bem a importância que a mesma representa para os Estados Unidos de Trump.
Todavia, ao que tudo indica, a nova administração estado-unidense está determinada a testar o nível de prontidão das autoridades chinesas, dizendo por exemplo que os Estados Unidos não podem ser obrigados a reconhecer “One China policy” ou seja, a ideia segundo a qual Taiwan é parte da China, que é a base das relações entre a China e os Estados Unidos, desde os anos 70, na era de administração Nixon. Desde logo, um reconhecimento por parte da administração Trump da soberania taiwanesa poderá naturalmente exacerbar o clima entre os dois países na região, que poderá passar por confronto diplomático, proxy war, guerra comercial, guerra cibernética ou mesmo guerra convencional, de dimensões incalculáveis.
Em relação à situação medio-oriental, ainda que essa administração tenha reconhecido que os novos colonatos israelenses em territórios ocupados perigam a paz na região (para já vão em violação da resolução 2334/16, de 23 de Dezembro último, do Conselho de Segurança da ONU), de facto, é o Irão que constitui a maior preocupação na região para administração Trump, que segundo o Secretário Mattis, seria o principal patrocinador do terrorismo global. Os testes de um míssil balístico iraniano em finais de Janeiro, não só viola a resolução 2231 das ONU, aprovada em 2015 e parte do acordo nuclear entre o irão e países ocidentais, incluídos os EUA da era Obama, como demonstra também a sua intenção de munir-se de meios militares indispensáveis à defesa sua soberania e existência, na eventualidade de uma guerra com inimigos externos seus.
A provável transformação da Rússia em aliado de Trump pode, de facto, ser uma manobra que visa não só o combate de grupos terroristas na Síria e noutras paragens, como incentivar uma neutralidade ao Moscovo na eventualidade de uma guerra convencional entre os Estados Unidos e a China; entre os Estados Unidos e o Irão; entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, ou mesmo contra o México, uma guerra que poderá fazer sozinha, já que a aplicação do artigo 5 da Carta OTAN dependerá de quem será o agressor e o agredido, quando se assiste à uma desmoralização europeia em relação ao carácter do novo inquilino na Casa Branca.
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