Conflito russo-ucraniano. Ucrânia mostra-se disponível para o cessar-fogo. E a Rússia?


Na sequência do encontro mantido em Jeddah, na Arábia Saudita, as delegações dos EUA e da Ucrânia teriam concordado para um cessar-fogo provisório de 30 dias do conflito russo-ucraniano. Se a Ucrânia mostra-se disponível, será que a Rússia concordará com esse formato de cessar-fogo? Que exigências fará para tal fim?


Mediação dos EUA do Presidente Trump dá primeiros passos

Durante a campanha e os debates para as eleições presidenciais de Novembro de 2024, o então candidato e antigo presidente, Donald Trump, foi dizendo-se contrário ao conflito russo-ucraniano, que se estivesse na Casa Branca não teria eclodido, e que, se eleito, o resolveria nos primeiros dias da sua presidência.

Embora não seja certo em que medida a sua linha “pacifista” tenha contribuído para vencer a eleição presidencial contra a oponente e Vice-presidente, Kamala Harris, o facto é que, desde o regresso à Casa Branca, o Presidente Trump foi revelando para a imprensa a sua intenção de mediar e contribuir para o fim do conflito russo-ucraniano.

Uma das primeiras acções que tomou foi ter mantido conversa telefónica com o Presidente Wladimir Putin, da Federação Russa, no passado dia 12 de Fevereiro de 2025, da qual resultou terem tratado, dentre outros, a resolução do conflito, que a Rússia designa por Operação Militar Especial. O telefonema, o primeiro de que se tenha memória entre um presidente estado-unidense e o homólogo russo desde a eclosão do conflito, foi o primeiro do seu género, e primeiro sinal de desanuviamento diplomatico, inclusive, das relações bilaterais EUA-Rússia, que se encontravam no mínimo histórico durante a Administração Biden, enquanto apoiante da estratégia “Peace through strength”, isto é, Paz Ucraniana através da força, garantindo dezenas de bilhões de dólares em ajuda militar a Kiev.

Uma semana depois do telefonema, uma delegação dirigida pelo Secretário de Estado, Marco Rubio, manteve encontro, em Riyadh, com o seu homólogo russo, Sergei Lavror, à cabeça da delegação russa, cujo comunicado final apresentou dentre outras conclusões, a necessidade de resolver o “irritante na relação bilateral” e o estabelecimento de um “comité de alto nível” com a missão de guiar o processo para o fim do conflito russo-ucraniano.

Não obstante as perplexidades suscitadas pelas chancelerias europeias sobre a sentida exclusão do processo negocial para o fim do conflito, sendo a Europa o segundo maior apoiante e directo interessado por este conflito ocorrer no seu espaço físico-geográfico, tanto o encontro do Riyadh, quanto o de Istambul ocorrido no passado dia 27 de Fevereiro de 2025, parecem ser mais ligados, pois, a resolução do “irritante” existente nas respectivas representações diplomáticas, passo crucial para a facilitação de todo o processo negocial subsquente.

Europa move-se para salvaguardar sua posição na Ucrânia, para se alinhar no desanuviamento EUA-Rússia ou para convergir na mediação da Administração Trump?

As chancelerias europeias manifestaram-se contrariadas pelo telefonema do dia 12 de Fevereiro de 2025 e muito mais ainda do encontro de Riyadh do dia 19 do mesmo mês, pela sentida exclusão tanto de si como da Ucrânia da negociação ou dos primeiros contactos em curso entre os EUA e a Rússia.

Na mesma ocasião, as posições de re-calibragem realista apresentadas pelo Secretário de Defesa, Pete Hegseth, durante o encontro do Grupo de Contacto para Defesa da Ucrânia, no dia 12 de Fevereiro de 2025, em Bruxelas, parecem ter colocado “gasolina ao fogo”, ao afirmar que “Queremos, tal como vós, uma Ucrânia soberana e próspera. Mas temos de começar por reconhecer que o regresso às fronteiras da Ucrânia anteriores a 2014 é um objetivo irrealista”  completando mais adiante que “Dito isto, os Estados Unidos não acreditam que a adesão da Ucrânia à NATO seja um resultado realista de um acordo negociado”   (ver aqui o texto completo).

E, fazendo uma referência aparente às posições de alguns líderes europeus, segundo os quais, em caso de cessar-fogo, enviariam militares para a Ucrânia, no mesmo comunicado o Ministro de defesa dos EUA, descartou que tal missão seja coberta pelo artigo 5º da NATO, afirmando que “Se estas tropas forem enviadas como forças de manutenção da paz para a Ucrânia em qualquer altura, devem ser enviadas como parte de uma missão não pertencente à NATO. E não devem ser abrangidas pelo artigo 5º” (Idem).

De facto, nesta fase, essa re-calibragem da Política Externa da Administração Trump em relação à Ucrânia parece não estar em completa sintonia com a posição Europeia (UE + Reino Unido), que defende a integridade territorial da Ucrânia, o envio dos Peacekeepers e/ou “Peace through strength”. Aliás, essas posições foram sublinhadas durante o último Conselho Europeu extraordinário, ocorrido no dia 6 de Março de 2025, cujo comunicado referente à Ucrânia estipulou, no parágrafo 4 os 5 princípios que devem nortear a mediação: 1. Não à negociação sem Ucrânia; 2. Não à negociação sobre a segurança europeia sem Europa; 3. O cessar-fogo deve ser no âmbito de um acordo de paz; 4. O acordo de paz deve garantir segurança à Ucrânia e 5. A paz deve respeitar a integridade territorial da Ucrânia ( ver o texto completo aqui).

Embora o comunicado exprima um tom conciliatório se comparado com as primeiras dúvidas surgidas em Fevereiro, a mensagem vinda dos EUA relativa à solução não armada para o fim do conflto e o “Peace through strength” podem causar dúvidas na opinião pública se existe uma convergência estratégica entre EUA e Europa para o termo do conflito russo-ucraniano ou, no mínimo, que alinhamento irá prevalecer entre ambos (negociação ou paz pela força) e que implicações isto poderá ter na manutenção da Aliança Transatlântica.

Ucrânia mostra-se disponível para o cessar-fogo. E a Rússia?

No seguimento do encontro de 11 de Março de 2025, mantido em Jeddah, Arábia Saudita, entre as delegações do EUA, liderada pelo Secretário de Estado, Marco Rubio, e da Ucrânia, composta por membros do governo do Presidente W. Zelensky, o comunicado final afirma que a “Ucrânia manifestou a sua disponibilidade para aceitar a proposta dos EUA de decretar um cessar-fogo imediato e provisório de 30 dias, que pode ser prorrogado por acordo mútuo entre as partes e que está sujeito à aceitação e aplicação simultânea pela Federação Russa” (ver o comunicado final aqui). Se entrasse em vigor, seria o primeiro cessar-fogo no âmbito dos esforços de mediação para o  fim do conflito desde a sua eclosão no passado 22 de Fevereiro de 2022!

Contudo, a dúvida “existencial” pousa sobre se as autoridades russas irão concordar com esse formato do cessar-fogo, havendo dentro do seu território, na Região Kursk, uma presença militar ucraniana lançada em Agosto do ano passado, e se, na ausência de uma Missão de Observação do Cessar-fogo internacional e neutral, podem confiar na imparcialidade dos Peacekeepers europeus.

Seja como for, veremos qual será a contra-partida russa para aceder ao cessar-fogo, quais manivelas de mediação moverá a Administração Trump para incentivar as partes à observação do mesmo e se haverá uma divergência entre a re-calibragem realista dos EUA e os princípios do direito internacional defendidos pela Europa, e, sobretudo, que conflito haverá na eventualidade de fracasso da mediação estado-unidense.

Issau Agostinho

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