O Presidente do Conselho de Ministros, Mario Draghi, demitiu-se do cargo na sequência de uma crise de agendas político-sociais entre si e os principais partidos políticos que o sustentavam. Quais serão as implicações na crise ucraniana se as eleições antecipadas do dia 25 de Setembro de 2022 forem ganhas e legitimarem a formação do novo governo pelos partidos da direita italiana?
Anatomia de uma crise na crise
O governo Draghi foi constituído em Fevereiro de 2021 pelos principais partidos políticos de esquerda (PD-Partido Democratico, MS5-Movimento 5 Stelle) e de direita (Lega, FI-Forza Italia) e de outros menores de ambas as orientações político-ideologicas, com destaque para o IV (Italia Viva), criado e liderado por Matteo Renzi após a cisão no PD em 2019, de quem foi líder desde 2014, e graças ao qual foi Premier italiano entre Fevereiro de 2014 e Dezembro de 2016.
O IV, embora seja um partido menor do centro-esquerda, contando com apenas 35 dos 630 deputados e 15 dos 321 senadores (ambos maioritariametne ex-paralmentares do PD) resultantes da eleição legislativa de Março de 2018, foi crucial na construção de equilíbrios parlamentares que garantiram a maioria parlamentar e a relativa formação e a sustentação do governo de Giuseppe Conte II (indicado pelo M5S, o mais votado naquela eleição) entre 5 de Setembro de 2019 e 13 de Fevereiro de 2021 (Conte II), vista a crise no seio da maioria parlamentar e do governo que ditou o fim do Conte I (1 de Junho de 2018 e 4 de Setembro de 2019).
Terá sido, igualmente, o IV a precipitar o fim do Conte II em Fevereiro de 2021, quando a sua liderança decidiu retirar os ministros que integravam o governo Conte II, abrindo o caminho para o nascimento do governo de Mario Draghi, o qual contava com uma larga maioria de todos aqueles principais partidos de esquerda e de direita e dos grupos mistos de inclinação à direita e ou à esquerda. Dado o apoio de que gozava desses partidos políticos, excepto do partido de direita FDI (Fratelli d’Italia), o governo Draghi era, a todos os efeitos, um Governo de Unidade Nacional, necessária para enfrentar a pandemia da Covid-19 em fase de vacinação de massa e garantir a implementação do PNRR-Plano Nacional de Recuperação e Resiliência, negociado pelo governo Conte e financiado pela União Europeia (EU), no âmbito de fundos do Next Generation da UE.
Governo Draghi trema
Um dos primeiros sinais de instabilidade do governo Draghi terá sido manifestado durante a eleição do presidente da República Italiana no passado dia 29 de Janeiro de 2022, quando figuras ligadas ao M5S e IV teriam manifestado a intenção de ver a sua passagem do governo à presidência, já que o presidente cessante, Sergio Mattarella, havia confirmado a sua intenção de cumprir apenas um mandato presidencial, como é, aliás, da práxis italiana. Porém, as desavenças em torno da hipotética candidatura de Draghi a sucessão de Mattarella quer no seio de cada partido político político, quer nos seus alinhamentos políticos de esquerda e de direita produziram dois efeitos eventualmente não esperados: 1. a reeleição de Sergio Mattarella, já que foi o que obteve maior consenso entre todos, excepto o FDI, e 2. a instalação de um clima de desconfiança sobre a lealdade e sustentabilidade do governo Draghi, em torno do qual emergiam cada vez mais simpatias políticas que o colocavam no centro dos equilíbrios políticos posteriores ao seu governo, as quais podem ter sido mal digeridas pelos partidos tendencialmente anti-establishment, com realce para o M5S.
Um dos segundos sinais de instabilidade insere-se no contexto do advento da guerra na Ucrânia em curso desde 24 de Fevereiro de 2022. Como a maioria de países e governos membros da UE e da OTAN, o governo Draghi condanou inequivocamente a agressão russa contra aquele Estado e disponibilizou-se a dar-lhe o devido apoio humanitário e militar, além de ser subscritor dos pacotes de sanção impostos à Rússia. Todavia, nos últimos meses, a coincidir com a constatação dos efeitos negativos dessas sanções no welfare italiano, expressos essencialmente no aumento da inflação, aliados à uma crítica geral ao envio de armas italianas ao governo ucraniano, o M5S procurou capitalizar esta ansiedade para exigir maior envolvimento do Parlamento Italiano na discussão relativa ao envio de armas, afirmando ainda o seu desejo pelo envio apenas de armas de defesa à Ucrânia, por interpretar a preocupação popular e de outras correntes da sociedade italiana de que o envio de armas tem o efeito vicioso de alimentar e alongar o conflito, e daqui exacerbar o clima de insegurança na Europa e perigar o seu tecido económico e o bem-estar social.
Cisão no M5S agrava a instabilidade do governo Draghi
A cisão no seio do M5S no passado dia 21 de Junho de 2022, protagonizada pela saída de Luigi di Maio, Ministro das Relações Exteriores e da Cooperação Internacional no governo Draghi, agravou a já precária estabilidade do governo Draghi em curso desde Janeiro de 2022, na medida em que a formação do novo grupo parlamentar designado por IPF-Insieme per il Futuro, composto por um total de 53 deputados e 11 senadores todos idos do M5S, fez com que esta formação política passa-se da primeira a segunda força parlamentar na Câmara dos Deputados em benefício da Lega. O objectivo da cisão, salvo melhor leitura, era o de fragilizar o M5S e a figura do seu presidente, Giuseppe Conte, para reforçar o alinhamento de partidos e movimentos do centro (IV, Azione, IPF, entre outros) em prol da estabilidade do governo Draghi e do aumento do seu capital político em vista às eleições políticas de Março de 2023, com ou sem o M5S, bastante criticado pelo seu antigo dirigente em vista da tomada de posições que, segundo afirmava, minavam o governo e a segurança da Itália.
Contrariamente a isto, o que se verificou foi o agudizar da crise, que passou a assumir contornos cada vez mais eleitoralistas e menos institucionais. O aparente não cumprimento de 9 Pontos apresentados pelo M5S ao governo Draghi no passado dia 6 de Julho e o não voto deste movimento ao Decreto Aiuti (Decreto Ajudas), submitido pelo governo ao parlamento no dia 14 de Julho de 2022, foram os úlitmos suspiros do governo Draghi e do apoio incondicionado a ele da parte do M5S.
Demissão do Premier e eleição antecipada
Não obstante o MS5 ter sido, entre os meses de Junho e Julho, a principal força política do governo de unidade nacional que era bastante exigente em relação a manutenção de duas das suas principais conquistas de bandeira, alcançadas durante o Conte I e Conte II, nomeadamente, o reddito di cittadinanza e o super bonus 110%, durante o voto de confiança no Senado no passado dia 21 de Julho, foram a Lega e o FI quem ditaram, efectivamente, o fim do governo Draghi, na medida em que, mesmo se o M5S tivesse retirado o seu apoio, com a cisão de 21 de Junho o governo Draghi continuaria a ter a maioria necessária para continuar a governar até ao fim da actual 18ª legislatura. Pelo contrário, e a surpresa de todos, incluindo do governo e da sociedade italiana, ambos os partidos (Lega e FI) abandonaram a sala do senado no momento da votação, traduzindo-se no fim de apoio concreto a ele e à figura de Mario Draghi.
Implicações na ambiguidade estratégica
A demissão apresentada no dia seguinte e a consequente dissolução do parlamento italiano conduzirão à eleição antecipada marcada para o dia 25 de Setembro de 2022, com os partidos de direita (Lega, FI e FDI) tidos como favoráveis.
Do conjunto desses três partidos políticos, o da oposição (FDI), mostrou-se bastante favorável ao posicionamento marcadamente «atlantista e europeísta» e pelo apoio dado pelo governo Draghi à Ucrânia. Também a Lega e o FI, enquanto partidos do governo Draghi sustantaram a sua escolha e o posicionamento nessa questão. Porém, à semelhança do M5S e à diferença do PD, aqueles dois partidos manifestaram, em várias ocasiões, a necessidade de encontrar a solução pacífica do conflito e que não passasse necessaria ou exclusivamente pelo envio de armas, mas sim pela negociação diplomática, o que para muitos no Ocidente traduz-se numa posição contrária aos intentos de Kiev determinado a resistir, desde que sejam fornecidas as armas pelos países do bloco ocidental. Na verdade, trata-se de uma posição bastante generalizada na maioria dos países da UE, com excepção, talvez, dos Bálticos, embora todos eles mantenham, ao mesmo tempo, uma espécie de ambiguidade estratégica, na medida em que continuam a enviar armamentos ao governo de Kiev em linha com os EUA e o Reino Unido, ao mesmo tempo que esperam na saída negociada do conflito, nem que seja no formato Minsk 2.0.
No entanto, segundo o Secretário do PD, Enrico Letta, “O governo Draghi fez bem durante a crise na Ucrânia, desde o início a Itália tomou uma posição, que o meu partido apoiou fortemente, pró-Ucrânia e contra Putin. Espero que a Itália continue nessa direcção, mas não é certo que vá nessa direcção no caso de um governo de centro-direita” (Fonte: il Giornale.it). Assim, a verificar-se esta previsão do PD, a Itália poderá constituir-se no primeiro governo ocidental a sair da referida ambiguidade estratégica vis-à-vis à Ucrânia, que se traduziria na suspensão do envio de armas e na aposta da diplomacia para uma saída negociada, capaz de evitar, pelo menos, o espectro da guerra nuclear.
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