Da chantagem ao risco da guerra nuclear em tempo de Política de Potência e da era multipolar


A retórica e ameaça nucleares vai registando um crescendo nos últimos meses. Alguns Estados nucleares aumentam seus arsenais nucleares, outros realizam testes e exercícios militares simulando a utilização de armas nucleares. Estamos perante ao regresso da Idade Atómica ou a uma nova Corrida Atómica. Mas isso periga a sobrevivência da espécie humana. Que remédios para a paz e segurança internacionais?


Entre a Idade e a Corrida Atómicas

A Idade Atómica compreende o período da história de relações internacionais, no limiar entre os anos 1930 e 1940, quando as principais unidades do sistema internacional investiram enormes recursos destinados ao estudo da Física Nuclear e do átomo e a sua transformação em bomba nuclear pelo meio de enriquecimento do urânio, plutónio e de outras combustíveis afins. A preocupação que o regime nazista possuísse tais armas teve o efeito de aceleração e de antecipação da parte das autoridades estado-unidenses, que sob o histórico Manhattan Project testearam a primeira bomba nuclear sob a designação de Trinity Test, no dia 16 de Julho de 1945, produzindo “a primeira nuvem de cogumelo de luz ardente (que) esticou 40.000 pés no ar e gerou o poder destrutivo de 15.000 a 20.000 toneladas de TNT. A torre sobre a qual a bomba se assentava quando foi detonada foi vaporizada” (ver em History.com). Era a primeira bomba de destruição em massa da era moderna!

Os efeitos devastadores da bomba nuclear, lançada contra as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki a 6 e 9 de Agosto de 1945, respectivamente, além de ter contribuído para a rendicão nipónica, tiveram também o efeito do início da corrida atómica, na medida em que os demais Estados do bloco ocidental e do bloco oriental rivais não pouparam esforços para obtê-la. Aliás, a percepçao de um tratamento diferenciado na partilha da tecnologia nuclear entre os EUA e a França terá estado na base de relações tensas entre os dois Estados nesse período. Depois do Reino Unido, da URSS, a França testou a sua primeira bomba mais de uma década após Trinity Test, ao passo que a China o fará quatro anos depois, em 1964, isto é, “A França testou pela primeira vez uma arma nuclear em 1960, oito anos após o Reino Unido e quatro anos antes da China” (ver em House of Common Library).

Tentativas dissuasão da corrida atómica

Para limitar a Corrida Atómica essas primeiras potências nucleares assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear em 1967, proibindo que novos Estados tenham acesso a tecnologia capaz de produzir tais armas, além de uma série de Convenções que proíbem novos testes nucleares a partir dos anos 1990. Ambos os instrumentos foram várias vezes violados, dada a emergência de novas potências nucleares pós-1967, tais como o Paquistão ou a Coreia do Norte, entre outros.

Aumento de armas nucleares em 2022

Após um período de redução de armas nucleares entre as principais potências nucleares, nomeadamente, a Rússia e os EUA, como consequência do START – Trata para Redução de Armas Estratégicas, que estava em vigor desde 1994 para um período de 15 anos( renovado em 2010, 2015, 2021), ambos os Estados vem renunciando aos vários mecanismos do género que garantiram a chamada Estabilidade Estratégica e a correlação de forças, com efeitos positivos na segurança internacional. Porém, no calor do corrente conflito entre a Rússia e a Ucrânia, a primeira anunciou a suspensão do NEW START, que é a versão de START assinada entre os EUA e a Rússia em 2010, renovada em 2021 e que deveria estar em vigor até 2025.

A suspensão do NEW START pela Rússia, que havia limitado “lançadores de ICBM, SLBM e bombardeiros pesados a 800” (ver em Istituto Affari Internazionali), dentre outras limitações, implica que ela poderá superar todos os limites impostos pelo tratado. Assim sendo,  se houve um aumento de “136 ogivas das 9.440 que estavam disponíveis para utilização no início de 2022, para 9.576 em 2023” (ver em Nuclear Weapons Ban Monitor), este número aumentará significativamente em 2023 e nos próximos anos se o quadro de deterioração da segurança não melhorar.

Nova arquitectura de segurança nuclear

Face a possibilidade de instalação de armas nucleares tácticas russas em território bielorusso, que mostra o retorno de uma prática típica da Guerra Fria, quando ambos os blocos rivais colocavam mísseis num raio de alcance do território inimigo, bem como do risco de uma passagem de um conflito convencional para uma guerra nuclear (ver os principais cenários aqui), a sociedade internacional parece não ter respostas capazes de dissuadir não só o risco da guerra nuclear, como também garantir a segurança nuclear no sistema internacional.

Face a isto, um dos remédios mais eficazes é a resolução das controvérsias internacionais com base na Carta das Nações Unidas e de outros mecanismos regionais e bilaterais entre os Estados em conflito. No caso, o conflito russo-ucraniano não só deverá ser resolvido em via definitiva por um acordo de paz, como a alternativa a este acordo de paz é a perpetuação do conflito, sabendo que mais ele durará, mais probabilidades havéra de utilização de armas nucleares tácticas ou estratégicas, ao que poderá seguir uma resposta semelhante da parte do bloco ocidental nuclear enquanto apoiante da resistência ucraniana.

No lato senso, a Política de Potência em curso nas relações internacionais, sobretudo entre as principais unidades, deverá dar lugar ao Equilíbrio de Poder, reconhecendo uma nova dinâmica multipolar em curso nos últimos anos, em que cada pólo deverá procurar a satisfação dos seus interesses nacionais e da sua segurança nacional sem minar os interesses de terceiros. Para isto, exige-se uma nova arquitectura de segurança internacional, que manteve durante o período de coexistência pacífica um certo equilíbrio e sossego internacionais. Vista a emergência de novos pólos de poderes, essa nova arquictutra deverá incluir entre Estados-Partes além dos EUA e outros Estados da OTAN, e da Rússia, países como a China, a Coreia do Norte, o Irão, a Índia, o Israel, e todos os outros cujas acções simétrias ou assimétricas contribuem para a paz e segurança internacionais.

Issau Agostinho

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