Presidente João Lourenço: entre os desafios conjunturais e as reformas estruturais de Angola

O Presidente da República de Angola, enquanto Chefe do Executivo, é o titular do poder executivo e a máxima autoridade de toda a acção governativa do País. A ele cabe traçar e implementar políticas públicas tendentes à satisfação das necessidades reais e sentidas dos angolanos, no País ou no estrangeiro. Como caracterizar os desafios e as reformas do actual inquilino do palácio à Cidade Alta, há 3 anos do seu primeiro mandato? 


   Durante a sua visita ao Reino de Espanha em Agosto de 2017, às vesperas da publicação dos resultados oficiais das eleições gerais daquele ano, o então candidato do MPLA, respondendo à agência espanhola EFE sobre se seria um reformador, afirmou que sim, e que não preferiria ser comparado a Gorbachev, mas sim a Deng Xiaoping (para mais sobre a semelhança da trajectória política entre Lourenço e Xiaoping, clicar aqui).

   Hoje, no poder, a personalidade transformadora do presidente angolano, João Lourenço, implica necessariamente a implementação exitosa de um conjunto de acções governativas, que são de dois tipos interconexos:

1.desafios conjunturais, que se consubstanciam no discurso e nos actos de combate à corrupção, à impunidade, ao nepotismo, à bajulação e na promoção do respeito e da garantia dos direitos sociais, económicos, cívicos e políticos dos angolanos, entre os quais o direito ao emprego, a saúde e instrução, a opinião, a manifestação social de cidadãos organizados ou não em associações cívicas, entre outros. Soma-se a isso a autorização da transmissão em directo pela TPA das sessões do parlamento angolano.

   Estes discursos e actos, enquanto reformas e/ou práticas conjunturais, têm como efeitos imediatos, de um lado, a afirmação da personalidade do presidente João Lourenço, se vista a percepção pública da sua popularidade perante uma vasta camada de eleitores e governados, e pela legitimação externa reflectida nas constantes visitas de entidades estrangeiras à Luanda. De outro lado, o distanciamento factual do modus operandi do seu predecessor (pelos menos no que diz respeito a corrupção, impunidade, bajulação e a tutela dos direitos de manifestação e de opinião), o que valoriza uma autonomia de acção, sem quaisquer ligações de subjugação com o anterior presidente.

   Todavia, sublinha-se que o distanciamento do anterior detentor do poder político do Estado é um fenómeno da teoria política comum a todos os países que observam alternâncias do poder com figuras oriundas de dentro ou de fora do partido político no poder. Só para dar três exemplos:

a) Nos EUA, o presidente Trump critica frequentemente a anterior administração Obama e inclusive tem ab-rogado muitos dos seus decretos presidenciais (executive orders), e ultimamente tem havido pontos de vista discordantes entre ambos relativamente a quem dar o mérito pelo crescimento contínuo da economia estado-unidense desde a última década;

b) José E. dos Santos, com a 4ª revisão constitucional de 1987, alterou substancialmente a composição da comissão permanente da ANP, tendo introduzido o conceito das assembleias do povo, aplicando-se o chamado princípio da soberania popular, consagrado no artigo 2º da Constituição de Independência de 1975. Embora tenha sido uma escolha positiva, dos Santos jogou na altura a carta da legitimação do poder, com o fim de obter uma forte base de apoio popular das massas dos agricultores através da sua participação na vida política (cfr. Agostinho, 2018, p.60);

c) No imediato da morte de Estalin, em 1953, Nikita Kruscev implementou a política de des-Estalinização da União Soviética, aprovada em 1956 durante o XX congresso do PCUS – tal era uma forma de aproximar-se a Tito, que em 1948 havia estabelecido um socialismo nacional jugoslavo.

   Neste particular, a des-Estalinização da União Soviética – que significou combater o endeusamento de Estalin –, se traduzido na linguagem da nossa praça política, no actual regime de João Lourenço, é equivalente ao combate à bajulação exercida pelos chamados Eduardistas, que nos últimos anos da sua presidência se perfilavam com argumentos surreais do tipo “o ar que respirámos é graças ao Presidente”; “o vermelho da bandeira do MPLA é o sangue de Cristo”, etc, etc.

2. reformas estruturais, tais devem advir de um maior empenho social, político e legislativo transformador do modelo de Estado e de sociedade, por via, como é óbvio, de reformas estruturais que reavaliem o modelo político-eleitoral, do tipo de Estado e de forma de governo; o modelo económico e das redes de produção e comunicação; o modelo dos valores familiares e culturais; o modelo de instrução pública; o modelo de investigação científica, da publicação e uso de dados técnicos; o modelo de Internet e da tecnologia; o modelo das alianças e da cooperação internacionais; o modelo de sociedade, do valor da pessoa e das psicologias de massas, enfim, o modelo da angolanidade que reflicta a africanidade e vice-versa. Estas reformas estruturais implicam a mudança do status quo, com impacto positivo em gerações presentes e vindouras. Nao produzindo resultados imediatos directos, essas reformas são naturalmente impopulares.

   Vale a dizer que, enquanto as reformas e os actos conjunturais podem garantir resultados imediatos directos e visam a satisfação dos interesses das gerações presentes, por vezes, beliscando os interesses e os direitos das gerações vindouras (basta pensar em níveis de endividamento público e ao tempo de pagamento da mesma; ou no consumo insustentável dos recursos pelos presentes), as reformas estruturais, pelo contrário, satisfazem tanto as gerações presentes, como acautelam também os interesses das gerações vindouras, num equilibrio constante entre direitos e necessidades colectivos e entre o presente e o futuro.

   De outro, se as primeiras garantem ao presidente uma popularidade e eventual re-eleição baseando-se na satisfação imediata dos presentes, as segundas realizam todos os cidadãos, de todas as épocas, catapultando, por isso, o presidente reformador para os anais da história, passando a ser um modelo a seguir e a estudar pelas gerações vindouras do seu País e pelas demais sociedades. São exemplos disso, e mais uma vez, o Deng Xiaoping, com os “4 Pilares de Modernização da China”, e o Franklin D. Roosevelt, com o “New Deal”.

   Lembre-se que os desafios do presidente João Lourenço, são desafios de toda a sociedade angolana, devendo cada um/a contribuir com o seu saber e talento. Ao presidente cabe a tarefa visionária de estabelecer metas e convidar cada angolano/a a contribuir positivamente para a sua materialização, sem correr o risco de conformismo, porquanto a dialética propicia o desenvolvimento. Mas isso não será possível se a militância partidária no partido no governo for a condição sine qua non para participar dos actos de interesse público transversais a todos os cidadãos, independentemente da sua filiação partidária.

   Não obstante, a caminho do quarto ano da sua presidência, e prevendo a sua candidatura a re-eleição em 2022, os discursos e os actos de componente conjuntural parecem ter um peso fundamental na acção governativa do presidente João Lourenço, em detrimento das reformas estruturais. Estas, de facto, por via da reavaliação dos modelos acima indicados (e demais modelos a identificar oportunamente), são um desafio actual e imperante que os angolanos de todas as gerações não devem mais adiar, e que o presidente João Lourenço tem a nobre ocasião de iniciar e impulsionar, e outros futuros presidentes continuar, tendo em vista a realização de uma Angola forte, segura, próspera, equa, orgulhosa de si mesma e sustentável no tempo.

Issau Agostinho

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