Dossier

Quadro geral de intervenção italiana no sector energético em Angola e Moçambique

A globalidade do capital investido, a complexidade da mão-de-obra, a vitalidade que representa para os países compradores – e produtores – assim como o grau de influência do portafoglio das multinacionais no tecido político-institucional do Estado, tudo isso, por vezes, dificulta discernir-se se os recursos minerais (petróleo e gás) são uma vantagem para as populações ou fonte de promiscuidade nos assuntos internos do Estado. Como avaliar a intervenção italiana em ambos os países: vantagem ou promiscuidade?


Figura 1:Premier Renzi e Presidente dos Santos, Luanda Julho 2014. Fonte: governo.it


Quadro histórico. A Itália mantém relações diplomáticas com Angola e Moçambique desde a década de setenta, na sequência da proclamação das independências nacionais e libertação do jugo colonial português. Todavia, não se exclui que o apoio de Roma e da Santa Sé aos respectivos movimentos pró-independência(sobretudo ao Mpla e Frelimo) tenha começado mesmo durante o período de luta armada contra a metrópole lusitana para a autodeterminação: a ideologia de partidos italianos de esquerda e filo-comunistas dos anos sessenta e setenta unia-os aos dois movimentos africanos, também da mesma família ideológica. Além do que, em 1970, Agostinho Neto (Mpla) e Marcelino dos Santos(Frelimo) foram recibos em audiência histórica pelo Papa Paolo VI, no Vaticano, curiosamente, no momento em que a Democrazia Cristiana (DC) era no poder em coalizão com Partito repubblicano italiano, Partito socialista unitario e Partito socialista democratico italiano, e havia uma forte presença de partidos de inspiração comunista seja no Senado, como no Câmera dos Deputados, no Parlamento italiano. Acto contínuo, quando a Itália reconheceu a independência de Angola, a 18 de fevereiro de 1976, tal ocorreu  durante o V governo de Aldo Moro(DC), em consonância com o Partido comunista italiano, guiado pelo Enrico Berlinguer, naltura, segunda força política.

Já no post-independência, ulteriores envolvimentos de Itália se é verificado seja com a mediação da Comunidade de Sant’egidio, que culminou com a firma dos acordos de paz entre a Frelimo e a Renamo, em 1992, assim como com a mediação do governo italiano que conduziu a assinatura de um acordo de cessar-fogo entre forças inimigas moçambicanas, a 5 de setembro de 2014. Este acto mereceu, por exemplo, um particular destaque por parte do Premier Italiano, Matteo Renzi, quando intervinha no parlamento italiano na apresentação do seu plano Mille giorni per cambiar il volto all’Italia(mil dias para mudar Itália), a 16 de setembro do mesmo ano. Para o farosulmondo.it a assinatura do cessar-fogo, com a mediação conjunta governo italiano-comunidade sant’egidio, foi expressamente solicitado pelo presidente Guebuza(então presidente) e aceite por seu rival da Renamo, Dhlakama.

Âmbitos da cooperação. A cooperação Itália-Angola e Itália-Moçambique se insere no contexto das suas relações diplomáticas, através de vários acordos de cooperação em matéria política, de segurança, economia e desenvolvimento social (já existentes), baseados no princípio win-win, no respeito recíproco da soberania e das normas e compromissos internacionais assumidos. Neste caso, além da cooperação bilateral, os mesmos países partilham também interesses e princípios gerais ao nível multilateral, seja se tratem de programas de cooperação com a União europeia, por meios dos acordos UE-ACP, que estabelecem importante base de partenariado entre a UE e países africanos(incluindo Angola e Moçambique), cooperando nos domínios dos direitos humanos, paz e desenvolvimento, ou se trate no âmbito da ONU, colaborando para a paz e segurança global, sobretudo para a estabilidade de determinados países africanos.

Neste particular, a participação da Itália na Missão para a paz na República Centroafricana se insere igualmente nos esforços internacionais para a transição pacífica naquele país, partilhando interesses comuns com Angola, que desde cedo, enquanto presidente da Comissão Internacional para a Região dos Grandes Lagos, desempenhou papel crucial para o mesmo fim, não obstante, por fim, tenha optado pelo não ínvio de forças militares para integrar a Minusca. A partilha de interesses comuns entre Angola e Itália foi evidente durante a visita oficial de Matteo Renzi a Angola, afirmando ter apoiado a candidatura de Angola a membro não permanente do Conselho de segurança, para o biênio 2015-2016, visita retribuída pelo presidente Angolano, José Eudardo dos Santos, em 2015.

A cooperação no sector energético. Para além de empresas que operam em Angola (mais de três dezenas) no sector dos hidrocarbonetos, no comércio, restaurantes, no sector imobiliário e transportes e arquitectura, a ENI prevalece sobre todas essas, graças ao fluxo investido num sector tão vital para a sobrevivência da economia italiana.

Além da exploração do petróleo em quatro blocos principais, totalizando uma produção estimada em 87 mil barris/dia no ano de 2013, a ENI é de igual modo accionista no projecto angolano ANGOLA LNG, com uma quota de 13,6%, a mesma da inglesa BP e da francesa Total, enquanto a estatal angolana, Sonangol, detém 22.8% e a estado-unidense Chevron, os 36,4%, seu sócio majoritário, num investimento que prevê a comercialização de cerca de 5,2 milhões de toneladas de gás/ano, durante três décadas. Com a descoberta pela ENI, em setembro de 2014, de um novo jazigo de petróleo, em Angola, estimado em 300 milhões de barris, a décima da sua operação, que data desde 1980, Luanda reforça ainda mais a sua importância estratégica para as necessidades energéticas do Bel Paese.

Grosso modo, não obstante as notícias de descobertas de poços de petróleo sejam difusas, elas são também confusas e envoltas em mistérios.

Em 2011, a companhia Anadarko (EUA) teria prospectado indícios de petróleo nas regiões de Rovuma, norte de Moçambique, estimados em quatro bilhões de barris de ouro negro, enquanto que a mesma ENI, aí operante desde 2006, teria, em vez, feito, segundo a rainews.it a maior descoberta de gás da sua história, estimada em 2,4 bilhões de metros cúbicos, que consistiria em satisfazer a necessidade dos italianos por trinta anos.

As duas companhias prevêem um investimento conjunto estimado em 50mil milhões de dólares, para a produção de gás prevista para 2016, empregando cerca de 40 mil pessoas, fornecendo seja a Itália que o mercado asiático.

Debate sobre a justiça social. A entrada do país do Índico na corrida de países produtores de petróleo e um dos possuidores de grandes reservas de gás do mundo, foi seguida da aprovação de uma lei específica pelo parlamento moçambicano no mês de Agosto de 2014, in base a qual o governo é obrigado a publicar os contractos de exploração assinados. Contrariamente à Angola, o debate sobre os modelos de justa distribuição da renda dos dois recursos minerais é ainda por fazer: às organizações da sociedade civil e os intelectuais moçambicanos temem a reprodução de um modelo estranho, que ao contrário de reduzir a pobreza extrema do país(54% da população, dados ONU 2013), venha a enriquecer ainda mais a Entourage mais rica do país.

De facto, segundos dados, se é verdade que as taxas de crescimento das duas economias prevalecem altas, sendo 3,9% para Angola(2014) e prováveis 5,9%(2015), e 7,5% para o Moçambique (2014 e 2015), é igualmente verdade que a corrupção resiste ainda (o primeiro se coloca a 153 entre 173, enquanto o segundo a 119 entre 175 países, relatório transparency international, 2013). A universidade católica de Angola estima, por exemplo, uma galopante fuga de capitais de Angola em 2,5 mil milhões de dólares/ano.

Não obstante, as robustas taxas de crescimento económico (sobretudo no período de estabilidade de preços de petróleo no mercado internacional), o propício ambiente para os IDEs, e a estabilidade política atraem cada vez mais atenção dos investidores estrangeiros em todos os sectores, em especial no de petróleo e gás, determinante para a economia de Luanda e Maputo.

A política externa de Renzi. O optimismo e o pragmatismo do Premier italiano não poderiam chegar no momento mais exacto para Roma, pois reanima o papel que deve desempenhar a Itália no contexto das nações, aliados a clareza das suas posições e a pro-actividade nas suas intervenções, preferindo antepor-se aos acontecimentos registados no cenário internacional. A pronta reacção aos diversos desafios afrontados pelo Bel Paese, da imigração a diversificação dos mercadores energéticos, fazem parte da nova face emprestada a política externa italiana.

Cônscio do deficit europeu em matéria de política enérgica comum, e do risco que representou o conflito a zona leste da Ucrânia, a Itália não-nuclear moveu-se para aumentar as fontes para abastecer-se de petróleo e de gás de que precisa avidamente: pensamos seja nesta lógica que se enquadra a visita histórica de um Premier italiano na África central e austral (a primeira de um Premier italiano em Angola), em Júlio de 2014.

Se por um lado, portanto, os países ocidentais e asiáticos são os maiores consumidores de petróleo e gás africano, por outro lado, porém, as populações dos países visados desejam que a venda dos recursos energéticos aos consumidores seja proporcional ao melhoramento da sua qualidade de vida, ao mesmo tempo que os governos de países produtores devem equacionar estratégias diplomáticas e políticas para evitar que o peso das multinacionais e a dependência das receitas petrolíferas periguem a soberania e a sobrevivência do Estado.

Dott. Issau Agostinho

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