O G-20 anunciou o DSSR (Debt Service Suspension Iniatiative), isto é, Suspensão dos Serviços da Dívida aos países devedores, a fim de canalizar seus fundos para relançar suas economias no pós-covid19. Angola anunciou o interesse em aderir a esta iniciativa, numa altura em que a dívida pública supera o limite de 60% do PIB.
Iniciativa do G-20 e FMI
O DSSR (Debt Service Suspension Iniatiative) é a suspensão dos Serviços da Dívida aos países devedores para com Estados e organizações membros do G-20, a fim de canalizar seus fundos para relançar suas economias no pós-covid19. A suspensão dura 8 meses a contar desde 1 de Maio até finais do corrente ano, findos os quais os Estados deverão tornar a pagar os serviços suspensos nos próximos 3 anos. O DSSI não é, por isso, nem perdão, nem tampouco cancelamento da dívida dos países beneficiários.
Além desta iniciativa do G-20, o FMI lançou igualmente em Abril passado o CCRT(Catastrophe Containment and Relief Trust), ou seja, fundo de contenção e alívio da crise provocada pela pandemia, estimado em USD 500 milhões de cancelamento de 6 meses de pagamento da dívida em favor de 25 países, 19 dos quais africanos.
Critérios de adesão ao DSSI e CCRT
O DSSI foi lançado em coordenação com o IDA (International Development Association), organismo que em conjunto com o Banco de Reconstrução e Desenvolvimento formam o Banco Mundial. Do leque dos critérios para aceder aos programas do IDA constam que o Estado deve ser membro do Banco Mundial, como é óbvio; ter dificuldade ou a falta de acesso aos financiamentos internacionais; estar em obrigações correntes do tipo estrutural e/ou financeiro com o FMI e o BM, e ser uma economia de rendimento baixo, isto é, com um PIB per capita inferior aos 1,200 dólares.
À luz destes critérios, salvo excepções, Angola poderá não ser admitida ao DSSI, ou então, será admitido só por força das suas obrigações correntes com o FMI, dado que segundo o PNUD passou a integrar a lista dos países de rendimento médio baixo, juntando-se a Cabo Verde enquanto PALOPs, cujo PIB per capita (a soma de todos os bens e serviços produzidos por Angola num dado ano, divididos pela totalidade da sua população) é estimado em USD 3,899, ocupando a posição 120, contra a 118 de Cabo Verde.
A ser admitido a DSSI, pode também significar que Angola tenha atingido um débito público proibitivo com credores internos ou externos, ou que, em função disso, comece a experimentar dificuldades no acesso aos mercados financeiros, e daí talvez optar ultimamente por Eurobond. Seja como for, pelos critérios, o DSSI parece reservado ao grupo dos 76 (ex 77 com a presença de Angola), enquanto que o CCRT exclui Angola desde logo.
O risco default causado por Eurobond
Estima-se que os Eurobonds governativos africanos (obrigações internacionais do Estado emitidos fora do seu território e pagos em divisa estrangeira) tenham atingido os USD 100 bilhões depois que “Ghana emitiu Eurobonds estimados em USD 2.7 bilhões no dia 26 de Março de 2020”, isto segundo Yinka Adegoke, Editor África de Quartz. Este valor, segundo a Moody’s, atingiu já USD 115 bilhões em Abril e os devedores são 21 países africanos, incluindo Angola.
Tidjane Thiam, até bem pouco tempo presidente do Credite Suisse, faz parte de um conjunto de figuras africanas que advogam, numa carta a que Financial Times teve acesso, por uma moratória de 2 anos para o pagamento desse montante aos credores, que na sua maioria são do sector privado. Uma das razões de ser deste acumular-se da dívida com os Eurobonds é que a taxa não é só alta, mas é também volátil, podendo valorizar-se em função da conjuntura económica e política internacional. O facto que a dívida com os Eurobonds seja paga em divisa estrangeira cria ainda mais uma pressão fiscal enorme às suas economias e finanças dos países credores.
Dívida global africana
Estima-se que a dívida global do continente africano seja calculada em perto de USD 420 mil milhões entre 2006 e 2017. O aumento desta dívida deve-se aos empréstimos fornecidos pela China aos países africanos nas últimas 2 décadas. Porém, não obstante ser singularmente o maior credor de África, correspondendo a 20% deste montante, os maiores credores são, segundo Yun Sun, “as instituições multilaterais (FMI, BM e outras) e os credores privados, correspondentes aos 35 % e 32% respectivamente”.
Num documento de Jubilee Debt Campaign entitulado “Africa’s growing debt crisis: Who is the debt owed to?”, de Outubro de 2018, lê-se que 11,8% do PIB africano foi utilizado para pagar a dívida externa em 2017, 17% dos juros da dívida são pagos à China e 55% aos credores privados. O pico da dívida dos 48 países africanos para com a China foi em 2016 e era estimada em USD 30 mil milhões, enquanto que em 2006 foi de menos de USD 5 mil milhões, mais ou menos o mesmo valor emprestado por outros governos e instituições financeiras. De 2006 a 2017 os empréstimos de outros governos para com os mesmos 48 países africanos foi de USD 157 mil milhões.
Perdão da dívida global africana
Na história africana recente, as campanhas para o perdão da dívida externa do continente para com os seus credores internacionais ganhou um ímpeto na década de 80s com o presidente Burkinabe Thomas Sankara. Na cimeira da OUA, realizada em Julho de 1987, Sankara proferiu um dos discursos mais memoráveis relativos a dívida do continente africano. Ele afirmou numas das passagens “Nós pensamos que a dívida analisa-se a partir da sua origem. As origens dela remontam desde o colonialismo. Aqueles que nos emprestam o dinheiro, são os mesmos que nos colonizaram. São os mesmos que gerem os nossos Estados e as nossas economias. São os colonizadores que endividaram a África com os financiadores internacionais que eram seus irmãos e primos. Nós não temos nada a ver com esta dívida”.
Durante àquela fatídica cimeira, e enquanto Sankara proferia seu memorável discurso (eventualmente o último da sua curta vida, pois morria assassinado três meses mais tarde), poderia ver-se no rosto dos demais líderes o estupor pela coragem e verticalidade de um dos mais influentes pan-africanistas da década de 80s, e no Hall da sede em Addis Abeba ecoavam as fortes gargalhadas dos presentes face a seriedade do assunto levantado pelo jovem presidente, que talvez teria preferido que seus homólogos tomassem medidas corajosas conjuntas para rever a dívida do continente.
Hoje, à distância de 33 anos desde a morte de Thomas Sankara, a dívida do continente é galopante, insustentável e não trouxe o desenvolvimento económico esperado, talvez porque, grosso modo, ela serve os interesses elitistas e corporativos da Entourage dominante, alimenta a corrupção e é aplicada para a importação dos bens e serviços para o consumo, e menos para o investimento estruturado, excepto raros os casos. Daí que alguns movimentos pró-perdão da dívida pensem que o perdão da dívida do continente (para já evento raro) represente o risco de re-endividamento dos Estados africanos beneficiários.
Enquanto as lideranças africanas não reavaliarem suas modalidades de endividamento que tragam desenvolvimento, se não houver um mercado africano interligado e alimentado por produção interna, enquanto a cultura do consumo massivo e da importação não for paulatina e corajosamente substituída por uma cultura de consumo de bens e serviços internos e importar só o que é estritamente necessário (como fazem as demais economias), o ciclo do endividamento e do empobrecimento conjunto vai continuar, e a visão epocal de Sankara de uma dívida responsável continuará actual e actuante.
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