A diversificação da economia angolana das principais fontes de receitas do Estado, o petróleo e o diamante, é um dos compromissos do Estado angolano desde há décadas e é transversal entre a presidência dos Santos e a presidência Lourenço. 10 sugestões para uma diversificação sustentável e que garanta o bem-estar.
Desdolarização e empoderamento
A redução da oferta das principais divisas internacionais (USD e EUR) nos mercados formais e informais é cíclica na economia angolana e deriva tanto da desdolarização levada a cabo pelo anterior Executivo, como resposta à redução das externalidades derivantes da crise financeira de 2008, quanto do facto de a economia contar ainda com uma forte base de importação de produtos para o consumo, que reduz a massa monetária em circulação local para efeitos de pagamentos no estrangeiro dos produtos a importar, já que o Kwanza (AKZ) não é uma divisa internacional.
Uma terceira fonte da redução desta oferta é o empoderamento – ou o que deveria ser tal – da classe empresarial angolana entre, pelo menos, 2013 – ano em que o antigo Presidente dos Santos defendeu no discurso da Nação a necessidade da acumulação primitiva do capital – e 2017 – ano do início formal do combate à corrupção e do repatriamento de capitais. Revelações do Centro de Estudos de Investigação da UCAN diziam, em 2014, que a “fuga ilícita de capitais de Angola pode ter chegado a 2,2 mil milhões de euros por ano entre 2008 e 2011. O valor é 157 vezes maior que os 14 milhões de euros estimados no ano passado pelo Ministério angolano das Finanças e representa aproximadamente sete por cento do Produto Interno Bruto do país” (Fonte: Joyce Copstein, DW). É justamente desta última que deriva a constatação de que o referido empoderamento e/ou acumulação primitiva do capital significou a fuga maciça de USD e EUR de Angola para o estrangeiro, em particular para o mercado português, criando factores de estrangulamento ainda em curso à economia nacional e à actuação de políticas públicas capazes de propiciar o bem-estar aos angolanos.
Angolanização da economia
A angolanização e a desdolarização foram, na época, duas medidas de economia social e financeira empregues para aumentar a presença dos factores genuínos (recursos humanos e know-how) nos sectores produtivos e a redução à exposição destes sectores às importações, respectivamente.
Contudo, enquanto a primeira continua, sobretudo, no sector das energias, como do Decreto Presidencial nº 271/20, de 20 de Outubro, relativo ao Regime Jurídico do Conteúdo Local do Sector dos Petróleos, que define como “Angolanização toda actividade relacionada com o recrutamento, formação e desenvolvimento do pessoal nacional, bem como a transmissão de conhecimentos técnicos expatriados para técnicos nacionais e sua substituição gradual” (Fonte: art. 3º, DP 271/20, Diário da República, I Série, nº 167, de 20 de Outubro de 2020), a segunda (a desdolarização) pode considerar-se uma medida paliativa e ineficaz, na medida em que não foi acompanhada por uma sustentável diversificação das fontes de receitas, da redução significativa das importações e da diversificação da economia, no seu todo.
Passos para diversificação da economia e o bem-estar dos angolanos
Salvo melhor opinião, no contexto angolano a diversificação da economia é limitada ao aumento da base tributária do sector não petrolífero, e isto justifica a adopção do IVA e a redução dos subsídios ao combustível. Noutros casos refere-se a busca de IDEs e ao aumento do endividamento do Estado, dados os acordos de financiamento em curso com o FMI e o Grupo do Banco Mundial e outras linhas de dívidas bilaterais e/ou privadas.
Contudo, salvando sempre uma melhor opinião, esse modelo de diversificação não diversifica, não diversificou e jamais diversificará a economia nacional, e se o fizer, a diversificação jamais será sustentável. Pelo contrário, torna-a e continuará a torná-la refém de uma visão neoliberista da economia em “desuso” com a des-globalização e proteccionismo em curso nas relações económicas internacionais. Por exemplo, vejamos o caso dos IDEs, como poderá Angola atraí-los de forma sustentada se as principais economias (com as quais conta para financiamentos) adoptaram políticas proteccionistas que visam a des-localização da produção e do investimento nos seus territórios de produtos, serviços e tecnologias antes produzidos nos mercados emergentes, em particular a China?
Com base nisso, uma diversificação da economia que seja sustentável implica, indubitavelmente, a materialização de uma visão de conjunto assente em pelo menos 10 passos sistemáticos seguintes (10 passos para uma diversificação da economia sustentável):
- Mão-de-obra nacional, qualificada, eficiente e humanizante em todos os sectores da actividade, públicos e privados. E aqui a angolanização no sector das energias é um exemplo, embora deveria ser extensiva aos demais sectores (empresarial, saúde, inovação, etc);
- Maior produtividade que garanta e coloque Angola em condição de consumir os bens e serviços que produz, de modo particular os bens de consumo da cesta básica. É com isso, também, que se reduz a dependência das divisas, a estabilidade da moeda nacional e da redução da inflação e mantém equilibrada a balança comercial;
- Mudança de uma cultura alimentar baseada no consumo de bens e produtos importados, por uma nova baseada no consumo dos bens e produtos Made in Angola. É com isso que se promovem, inclusive, as PME angolanas;
- A promoção das PME e o proteccionismo estratégico, isto é, o Estado deve escolher áreas da agricultura, da indústria e dos serviços a serem exclusivamente operadas pelas PME angolanas, quer em termos de jure, dos RH, sua liderança e capital;
- A contratação de mão-de-obra internacional só para áreas onde a economia tem escassez, porém, deve ser ordeira, temporária e localizada, bem como acompanhar a transmissão dos conhecimentos técnicos aos angolanos, a fim de criar expertises nacionais naquelas áreas. Isto combate o desemprego, a fuga de capital através de remessas e valoriza o quadro nacional. É óbvio que uma maior importação de mão-de-obra e descontrolada aumenta a taxa de desemprego nacional e da pobreza;
- O Tesouro Nacional deve diversificar as reservas nacionais tanto em USD, em EUR, em CNY (renminb), e em Ouro. Mas essa diversificação deveria acompanhar uma política nacional de importação de bens essenciais, nos quais Angola ainda tem necessidades de importação (provisória, pois terá de adoptar políticas de redução e equilíbrio entre a procura e oferta locais);
- Estabelecer acordos comerciais com principais parceiros para a transação comercial nas respectivas moedas nacionais. Por exemplo, a utilização do AKZ e EUR na relação comercial com Portugal, através de uma negociação do tipo Win-Win, extensiva aos demais mercados (China, Brasil, África do Sul, EUA, UE, etc). Os BRICS passarão a fazer a transação comercial nas respectivas moedas (R$, RUB, INR, CNY, ZAR);
- Previligiar a integração nas organizações regionais e internacionais que permitam a utilização da moeda nacional nas relações comerciais, sem o recurso constante as divisas internacionais. Uma alternativa é adoptar uma moeda única para a transação comercial na SADC, como dos acordos regionais assentes no Tratado de Abuja de 1991, e deixar que o AKZ circule para a transação local, ao nível das autarquias em Angola;
- Promover uma estreita cooperação entre formação, financiamento e mercado através da fórmula ABER (Academia-Banca-Economia Real), com realce para o Estudo de Mercado, formação em ciências empresariais desde a primária, a formação direccionada às exigências da economia e do mercado, a realização de estágios curriculares obrigatórios junto das empresas e instituições produtivas, a criação de produtos inovativos e a cedência de créditos à inovação e a sua transformação em produtos da economia real e
- Não privatizar empresas estratégicas do Estado por razões de obtenção de capital, pois pode significar alienação do património do Estado. Privatizar apenas empresas semi-estratégicas e com o Estado na posição de maior accionista. E liberalizar tout court apenas empresas não estratégicas.
Esses 10 passos, se actuados de forma integrada, metódica e flexível poderão garantir ao País, a sua economia (operadores económicos e investidores) e aos cidadãos (trabalhadores e consumidores) uma base de prosperidade comum. Uma prosperidade sustentável, que respeita a justiça social e não comprometa o futuro da juventude e das gerações vindouras, e que não fragilize a soberania económica e patrimonial do Estado angolano.
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