O voto eleitoral e alternância política entre a democracia e «partidocracia»


Nos últimos dois anos tiveram lugares dezenas de eleições presidenciais e legislativas ao nível mundial, e muito mais terão lugares no decorrer deste ano. Em tudo isso, emerge um quadro que em dadas geografias políticas há alternâncias políticas e, noutras, como sempre, não. Como enquadrar isso ao nível da democracia vis-à-vis partidocracia? Que risco existe de correlação entre a partidocracia e as práticas coloniais do passado?


Calendário eleitoral 2023-2024

O calendário eleitoral do NDI (Instituto Nacional Democrático) para o ano de 2023 contempla a realização de mais de três dezenas de eleições parlamentares e presidenciais, pelo menos 10 das quais tiveram lugar no continente africano, dentre as quais, as que tiveram lugar na RDC e no Egipto, ambas em Dezembro; Madagáscar, em Novembro, na Libéria, em Outubro; ou no Zimbabwe, em Agosto (Ver em NDI).

Para o ano corrente estão previstas as seguintes eleições gerais (entre legislativas, presidenciais) em África: no Sudão do Sul e no Ghana (presidenciais, em Novembro);  na Guiné-Bissau (presidenciais, em Novembro); na Namíbia (gerais, em Novembro); Tchade (legislativas, Outubro); Moçambique (gerais, em Outubro); Tunísia (presidenciais, em Outubro); Argélia (presidenciais, em Setembro) e no Ruanda, eleições presidenciais e legislativas, agora em  Julho (NDI, idem).

Êxito das eleições e ausência da alternância política nacional ao nível do continente africano

Além do dilema dos terceiros-mandatos (in)constitucionais que ainda se verificam em dadas realidades políticas, fruto das alterações constitucionais, que mais não são do que formas de Mudanças Inconstitucionais de Governos, que a União Africana condena, se visto o communiqué da conferência extraordinária de Malabo, ocorrida em Maio de 2022, que afirma a “Condenação inequívoca de todas as formas de mudanças inconstitucionais de governo em África e reiteração da nossa tolerância zero a este respeito” (Ver em UA), e dos golpes de Estados frequentes, sobretudo, na CEDEAO, existe ainda o risco da «inverdade do êxito eleitoral», que redunda ou que deriva da ausência da alternância política nacional, conduzindo a que a mesma família política se mantenha no poder, não obstante a expectativa pública no pré e no pós-voto.

Obviamente, não se trata de alternância política à força, pois é natural que forças políticas no governo que consigam materializar a oferta eleitoral e produzam progresso social voltem a conquistar a confiança do eleitor e o poder e se mantenham aí para lá de dois mandatos, mais comum em sistemas parlametnares. Olhemos para o exemplo alemão dos últimos 20 anos, que viu a antiga chanceler Angela Merkel manter-se no poder, com as devidas reconfirmações entre 2005 e 2021; ou no Reino Unido, com o partido Conservador no poder desde 2010, mas para um total de 4 primeiros-ministros diferentes.

Mas, enquanto a prática de alternância política seja usual em democracias liberais consolidadas, nas democracias resultantes da chamada “segunda descolonização” (Chazan, 1992), salvo excepções, não produzem alternâncias políticas permanentes, mas sim permanências políticas constantes, e isto não obstante a falta de progresso social que caracteriza as performances governativas dos partidos no poder.

Ionel Zamfir (2016) pinta um quadro bastante realista sobre as alternâncias havidas desde o boom das independências africanas. Para ele “Desde a independência, apenas 18 Chefes de Estado africanos perderam a reeleição – uma pequena parte num continente com 54 estados”. Dentre estes, a Nigéria e o Ghana são uma excepção positiva no que toca à alternância política do poder de Estado entre o partido governante e o da oposição (Idowu e Mimiko, 2020).

A alternância política entre a democracia e a «partidocracia»

Em regimes de democracia plena a alternância política entre partido governante e os na oposição é boa prática e inclusive até um parâmetro de determinação do nível de democraticidade, tolerância e de pluralidade política. Nestes regimes o voto popular representa o nível de satistação ou insatisfação em relação ao governo. Se for satisfeito, o povo vota para a renovação, se for insatisfeito, o povo vota para ofertas partidárias alternativas, isto excluindo o que podemos chamar de «voto ideológico» ou «voto militante», que o partido obtém dos seus simpatizantes e inscritos, independentemente do seu grau de satisfação ou de insatisfação.

Já nos regimes que Fareed Zakaria (1997) designou de “democracias iliberais”, nem sempre o voto insatisfeito é crucial para a alteração do status quo, na medida em que, contrariarmente à democracia, em que o voto é o único instrumento de manutenção ou alternância do poder, naqueles regimes, que aqui designo por «partidocracia», o poder é do partido e não do povo, e desde logo, cabe ao partido dominante, com os meios que detém condicionar o voto e o seu êxito, com o fito último de manter-se no poder independentemente do grau de insatisfação geral face as suas políticas públicas e o progresso social caótico que pode representar.

Tabela interpretativa e descritiva da alternância vs. permanência políticas

Regime de poder

Democraticidade  Alternância Instrumento de alternância

Utilidade do poder

Democracia

substâncial usual Voto popular Progresso social
Partidocracia formal incerto Manobras eleitorais

Manutenção do poder pela classe governante

Face ao quadro genérico constante desta tabela descritiva dos regimes democráticos e partidocráticos, questionar-se-ia se a “segunda descolonização” permanece ainda um ideal ou se a partidocracia é sinónimo da descolonização sem democracia, esta enquanto regime do poder do povo e não das elites pré-independência e que actua as práticas de exclusão política herdadas do colonialismo e, sobretudo, que relação de causa e efeitos existe entre a partidocracia e o subdesenvolvimento, se considerarmos que a democracia enquanto regime das liberdades motiva a exteriorização do génio criador e inventor de cada indivíduo, instrumental para o progresso científico, técnico, económico, cultural e social das sociedades.

Enquanto a maioria das sociedades africanas e das suas elites partidocráticas se recusar a praticar a democracia substâncial, a alternância usual, que através do voto popular conduz ao progresso social, continuará no ciclo fechado igual ou superior ao das práticas coloniais, que exploravam o Homem africano e as riquezas nacionais em prol da metrópole, em que, assim hoje como no passado colonial, a manutêncão do status quo era a garantia do poder pelo poder e do bem-estar das elites. 

Issau Agostinho

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