De Movimentos Anti-Coloniais a Partidos Políticos do Establishment Elitista em África. Análise geral.


Os Movimentos Anti-Coloniais em África nasceram, grosso modo, de uma nata dos assimilados entre os indígenas e os crioulos, com passagem de formação elitista ou preferencial nas metrópoles das potências coloniais de afiliação, como sujeitos destinados à uma tentativa de criação de uma classe burocrática e intelectual ao serviço da máquina colonial


Primeiros Movimentos Anti-Coloniais

   Regra geral, os Movimentos Africanos de Luta Anti-Colonial formaram-se a partir da primeira década do século XX, com o ANC, criado em 1912, a figurar como um dos primeiros movimentos de libertação contra o domínio forasteiro  na África Sub-Sahariana. Naquele contexto, para William Gumede “As organizações políticas formais dos negros incluíam o Congresso Nacional Indiano (formado por Mohandas Gandhi, em 1894) e a Organização Política Africana (mais tarde, Organização Popular Africana-APO), criada em 1902 para combater a discriminação política. Embora a APO era aberta a todos, organizou principalmente pessoas de cor ou aquelas descendentes de raças mistas” (Gumede, 2008: 2).

   Embora o ANC tenha sido um dos primeiros movimentos do seu género, uma das primeiras resistências armadas nos primeiros decénios do século XX coube ao Movimento de Resistência Líbio, liderado por Omar Mukhtar, que se opôs à ocupação da Líbia pelo Reino da Itália entre 1923–1932,  fruto da Guerra Ítalo-Otomana de 1911. “A resistência de Mukhtar está entre as primeiras do seu género em todo o continente africano, e se não tivesse sido capturado e morto por fascistas em 1931, a independência da Líbia pode ter sido declarada mais cedo do que a conhecemos” (Agostinho Issau, forthcoming, 2022).

A Influência do Pan-Africanismo

   Nota-se que o surgimento do ANC, na África do Sul, insere-se num quadro transversal da reconfiguração ideológica do Pan-Africanismo em reacção à realização da Conferência de Berlim de 1884/5, e do aprofundamento do colonialismo em África. Essa reconfiguração começou com a realização da Primeira Conferência Pan-Africana promovida pelo advogado, negro, Henry Sylvester Williams, decorrida em Londres, de 23 a 26 de Julho de 1900, participada pela Diáspora africana dos EUA, Europa e pelos africanos da actual Etiópia e Libéria. Para Sabelo Sibanda (2008), o objectivo de Williams era o de “aproximar uns dos outros os povos de ascendência afrikana de todo o mundo” (Sibanda, 2008: p.237).

   A influência do Pan-Africanismo manteve-se como faro ideológico orientativo dos demais movimentos anti-coloniais emergentes no continente e na Diáspora durante toda a primeira metade do século XX. Seguida de, pelo menos, 5 outras conferências promovidas por William E.B. du Bois, a Primeira Conferência Pan-Africana de Todos os Povos de África, ocorrida em Accra, Gana, em 1958, sob os auspícios de Kwame Nkrumah, marcou uma viragem determinante na afirmação dos Movimentos Anti-Coloniais em África aí representados por seus líderes, tais como “Patrice Lumumba, Tom Mboya, Frantz Fanon, Julius Nyerere, Felix Moumie, Ndabaningi Sithole, Joshua Nkomo, Milton Obote, Kenneth Kaunda, Kamuzu Banda, Sekou Touré, Modibo Keita, Holden Roberto, Robert Mugabe, Sam Nujoma”(Ndjoze-Ojo, Becky R.K.: 2008, p. 167).

   Embora Kwame Nkrumah seja uma figura incontornável na afirmação do Pan-Africanismo e da unidade política em África, sobretudo, com o advento da independência do seu país, em 1957, anos mais cedo Cheikh Anta Diop, talvez, um dos últimos cientístas Pan-Africanistas do século XX, relatava que “em 1952, quando era o Secretário-Geral do Rally Democrático Africano de Estudantes, pusemos o problema da independência política do Continente Negro e a criação do futuro Estado Federado num artigo intitulado «Toward a Political Ideology in Black Africa” (Diop, 1974:1).

Primeiros Regimes Monolíticos

   Alcançada as independências políticas nacionais entre 1957 e 1975,  1989 (ZANU, Zimbabwe), 1990 (SWAPO, Namíbia) e 1994 (ANC, África do Sul) a maioria dos Movimentos Anti-Coloniais em África transformaram-se em partidos de regimes monolíticos à medida que se alinhavam ou com o socialismo soviético, ou com o Movimento dos Não-Alinhados enquanto uma terceira via entre o liberalismo e o socialismo do pós-1945, promovida por Nasser, Nehrur e Tito, em parte, como consequência das divergências ideológicas desse útlimo com Stalin, resultado do cisma de 1948 (Agostinho Issau, 2018: 61).

O Domínio Torna-se Elitista e Conservador

   Com o fim do socialismo e a emergência da democracia neo-liberal, esses movimentos inciaram, novamente, uma readaptação ao contexto ideológico vigente no sistema internacional, abraçando a abertura pluralista comum na viragem entre a década de 1980 e 1990, quer como operação de charme político em voga, quer como consequência de crises no regime (Lanchester, 2004, 2006). Porém, a crise no regime (diferente da crise do regime) leva, apenas, a transformão parcial no regime, e não a sua completa interrupção. Em ambos os casos, os mesmos movimentos, ora partidos políticos, mantiveram-se como forças dominantes, tornando-se, gradualmente, em Partidos do Establishment Elitista, graças à uma estratégia de cooptação, clientilismo, asfixiamento da oposição, corrupção e controlo dos Mass Media.

   Se olharmos ao quadro das alternâncias políticas na SADC nos últimos 4 anos, constata-se que houve apenas uma alternância no seio das lideranças políticas no seio dos partidos históricos governantes, ocorridas no seio do MPLA (Angola), FRELIMO (Moçambique), ANC (África do Sul), ZANU-PF (Zimbabwe), ou Chama Cha Mapinduzi (Tanzânia), mas não houve alternâncias políticas ao nível do Estado, já que em Angola foi eleito presidente da República João Lourenço, do partido MPLA, em 2017, em substituição de José Eduardo dos Santos, também do MPLA; no Zimbabwe, com a saída do poder de Robert Mugabe, em Dezembro de 2017, no poder desde 1980 – presidente desde o fim do mandato do presidente Banana, em 1986 – sucedeu-lhe Emmerson Mnangagwa, ambos do ZANU-PF; na África do Sul, com a auto-demissão de Jacob Zuma, que esteve no poder desde 2007, foi substituído por Ciryl Ramaphosa, ambos do ANC, e na Tanzânia, Samia Suluhu Hassan subsitituiu John Magufuli, reeleito em 2020 e morto em 2021, ambos do Chama Cha Mapinduzi.

Novos Fenómenos de Contestação, mesmo Play-Book

   Enquanto os históricos parecem ter perdido a sensibilidade inicial por que se bateram para a libertação e progresso dos seus países, tornando-se, agora, em partidos do establishment conservador, substancialmente de direita ou centro-direita, acusada de manter o poder pelo poder, pela salvaguarda dos privilégios adquiridos e pela reprodução da elite, há a registrar novos fenómenos políticos no Uganda, Senegal e África do Sul que contestam o predomínio de uma entourage política acusada de estar ao serviço de si mesma, e não mais das populações locais. Trata-se do Unity National Platform, liderado por Robert Kyagulanyi Ssentamu, conhecido por Bobi Wine, de Pastef-Les Patriotes, liderado por Ousmane Sonko e do EFF, liderado por Julius Malema, ex diregente do braço juvenil do ANC, respectivamente.

   Dois líderes desses três partidos ou coligação de partidos, à excepção do EFF (salvo melhor opinião),  queixam-se de uma atmosfera política intimidatória constante, de fraudes eleitorais (Bobi Wine), da perseguição judicial por motivos políticos (Ousmane Sonko), tudo à semelhança do que se passara com o Movement for Democratic Change (MDC) de Morgan Tsvangirai, o principal oponente de ZANU-PF, no Zimbabwe, durante a era de Mugabe. Aliás, essas práticas parecem sair de um Play-Book usado por regimes dominantes para a manutenção do status quo, enquanto suscitadas por quase a totalidade dos partidos políticos na oposição em África, o que leva a questionar se existe, de facto, uma competição política entre pares de todos os partidos políticos, sobretudo em sociedades onde os partidos históricos continuam a governar o Estado, a dominar o discurso político e a narrativa social.

   Portanto, paradoxalmente, enquanto a transformação dos Movimentos Anti-Coloniais em Partidos Políticos do Establishment Elitista pode coincidir com a consolidação do State-Building pós-colonial ou pós-conflitual em África (porquanto lá onde vigem partidos históricos o Estado é tendencialmente muito bem consolidado, unitário e menos fragmentado), e o empoderamento selectivo de uma classe burguesa emergente (por via lícita ou ilícita da acumulação do capital), os partidos na oposição queixam-se da falta de aberturas democráticas e de tratamento diferenciado em favor do partido dominante, aludindo a uma das questões dicotómicas centrais do estudo da democratização e do desenvolvimento do continente: qual via seguir entre a democracia liberal e o modelo ocidental de governaçã0 ou a autocracia africana (que designo por Afrocracia) e um capitalismo elitista.

   Na dicotomia, se para o ocidente a democracia liberal é “o sistema político marcado por eleições livres e justas, mas também por rule of law, separação de poderes, a proteção de liberdades fundamentais de expressão, reunião, religião e propriedade” (Fareed Zakaria, 1997), em África a democracia iliberal ou Afrocracia serve para a salvaguarda do poder como condição importante para a realização da soberania nacional, da estabilidade política e da unidade territorial, a sua volta, condition sine qua non para o capitalismo elitista ou socialismo de mercado funcionar.

 

Issau Agostinho

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