A nacionalização da Efacec por Portugal. Eventuais ilações hipotéticas e futuristas

Portugal nacionalizou as acções atribuíveis à Sra. I. dos Santos na Efacec, numa altura em que os bens da implicada continuam arrestados por motivos da batalha legal em curso entre si e as autoridades angolanas sob acusa de uso indevido de fundos públicos angolanos, cuja parte do esquema foi revelada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) com o «LuandaLeaks», em Janeiro do corrente ano. Na ausência da reacção oficial de Luanda, vejamos algumas ilações hipotéticas dessa nacionalização.


1. A nacionalização da EFACEC pelas autoridades portuguesas não seria possível sem uma prévia concertação com as autoridades angolanas. A ser verdade, essa nacionalização será temporária e visa garantir o normal funcionamento da empresa até a tomada de uma decisão judicial final sobre o destino dos bens arrestados reclamados pela implicada e atribuíveis ao povo angolano. Isso pode demonstrar que há, neste momento, um alto nível de confiança de Luanda em Lisboa.

2. As autoridades portuguesas nacionalizaram a EFACEC sem a prévia concertação com as autoridades angolanas. A ser um facto, isso pode revelar quatro consequências:

a). O início das muitas nacionalizações dos bens arrestados atribuíveis ao Estado Angolano;

b). O início de uma longa batalha legal sobre a titularidade dos bens arrestados entre o Estado Português, o Estado Angolano e a implicada;

c). A deterioração, mais uma vez, das relações políticas e diplomáticas entre Angola e Portugal, e aproveitamento mediático da implicada;

d). Aumento do cepticismo de angolanos no repatriamento de capitais de Lisboa para Luanda.

3. A nacionalização da EFACEC foi requisitada pelas autoridades angolanas, como consequência do impasse judicial que enfrenta com a implicada, como forma de pressioná-la a colaborar em fórum judicial para a resolução definitiva da contenda, e no final reverter os bens arrestados ao Estado Angolano a quem ela é devedora de mais de 4 mil milhões de dólares, segundo Luanda. A ser verdade, isso implicará:

a). Implicada não possui o pleno controlo dos bens arrestados, e o impasse judicial com as autoridades angolanas é propositado por ela;

b). Se os bens tivessem em solo angolano o impasse teria sido resolvido com maior celeridade;

c).Percepção pública da alienação do património e dos interesses nacionais de Angola pela implicada.

4. A nacionalizaçao da EFACEC aconteceu com a prévia consultação entre as autoridades portuguesas e a Implicada, com ou sem a prévia consultação das autoridades portuguesas com as autoridades angolanas. A ser verdade, isso seria motivado por :

a). Para que ela ganhe imunidades contra a extradição para Angola, caso a PGR emita o mandado de captura internacional;

b). Para pressionar Luanda a moderação;

c). O envio do «caso Manuel Vincente» para Angola, que não resultou ainda no julgamento do implicado por razões de imunidades parlamentares e constitucionais, terá convencido Portugal ao hipotético acordo.

5. A nacionalização da EFACEC acontece na semana em que os tribunais angolanos reiniciaram o julgamento do «caso 500 millhões». Existe a possibilidade de que a implicada, sendo irmã mais velha de um dos implicados, use a sua influência para um acordo que não implique a condenação do mesmo. A nacionalização da EFACEC com a sua eventual concertação pode ser uma mensagem às autoridades angolanas do risco de perder tudo o que foi arrestado para as autoridades portuguesas.

6. A quota adquerida na EFACEC pela implicada terá tido seu valor comercial ímpar enquanto ela gozava de uma posição privilegiada no consórcio da construção da barragem de Caculo Cabaça, com a empresa Niara Holding Lda. A EFACEC, controlada por si, teria sido ao mesmo tempo o maior fornecedor dos equipamentos tecnológicos no sector de energia para a barragem e para o Estado Angolano. Ora, tendo o governo terminado, em 2018, o contrato com a Niara Holding Lda, seu valor comercial terá seguramente reduzido e a possibilidade de continuar a posição vantagiosa contrariada pelo novo presidente angolano.

7. A autorização do novo presidente angolano do fim da parceria, em 2018, entre a ENDE e a Winterfell, proprietária das accões da EFACEC, ora nacionalizadas pelas autoridades portuguesas, foi sinal ulterior do enfraquecimento comercial da EFACEC vis-à-vis mercado angolano.

8.O impasse judicial que existe entre as autoridades angolanas e a implicada, relativamente aos bens arrestados fora do território angolano, leva a que Portugal saia, mais uma vez, o beneficiário. Mas, isso significa que:

a). A implicada prefere defender seus interesses económicos e financeiros mesmo à margem do timing estabelecido pela lei de repatriamento de capitais e do interesse angolano;

b). Prefere viver permanentemente fora de Angola, implicando a continuação do impasse judicial com a justiça angolana, enquanto as autoridades portuguesas continuam a tirar o maior benefício dos bens arrestados, já que continuam integrados na sua economia;

c). As autoridades angolanas subestimam o calculismo pragmático da implicada, ou então, confiam piamente na sua boa-fé, ou elas são também calculistas e aguardam pelo desfecho final airoso para Luanda;

d). A sociedade angolana tenderá a pressionar as autoridades do país para uma saída negociada com a implicada, ficando ela com parte do património público ou privatizando bens pertença do Estado, o que não seria nem justo, nem legal, e abriria um grave precedente, o da apropriação ilícita dos bens dos angolanos com a conivência das autoridades judiciais e executivas de Angola, visto o leque de individualidades que beneficiaram das riquezas de Angola em detrimento da justiça social.

9. É caso para dizer que, nas próximas eleições gerais angolanas em 2022, assistiremos a uma enorme pressão dos grupos de interesses ditos «marimbondos» para influenciar o êxito das urnas em favor de um candidato que seja clemente com seus investimentos e o quase-não repatriamento dos fundos para Angola. Se o MPLA realizasse as primárias para votar seu candidato àquelas eleições, o candidato João Lourenço teria enormes dificuldades de convencer a corrente «eduardista» sem um compromisso de atenuação da sua luta política e mediática contra a corrupção. Todavia, o presidente João Lourenço herdou do seu antecessor, José Eduardo dos Santos, dois trunfos:

1. O trunfo partidário, relativo a não candituras múltiplas para a presidência do MPLA

2. E o trunfo constitucional, relativo a proibição de candidatos independentes à presidência da República, conforme o artigo 109 da CRA.

Tendo a implicada manifestado a sua intenção de concorrer à presidência de Angola, para além de questões próprias da sociologia angolana, não pode ignorar esses dois trunfos em mãos ao presidente João Lourenço que, eventualmente, no pós 2027, caso vença as eleições de 2022, poderá não hesitar em eliminar, com a reforma estatutária e a revisão constitucional, ou em manter, caso opte por escolher seu delfim político, capaz de manter a agenda da luta contra a corrupção à cabeça do partido ou do Estado.

10. Por conseguinte, independemente das reais razões, e enquanto aguardamos pela reacção oficial das autoridades do país, quer a nacionalização da EFACEC, quer os bens arrestados em si, devem servir de lição aos angolanos de bom senso e patriotas, de que a exportação de capital do país para o exterior, por vias legais ou ilegais, será sempre em prejuízo do desenvolvimento de Angola. Um dos insucessos do repatriamento de capitais consiste no facto de que os capitais exportados sustentam a economia, não só a portuguesa, mas de quaisquer outros países onde foram investidos por todos àqueles que beneficiaram da chamada «acumulação primitiva do capital» à moda angolense. Como tal, um repatriamento massivo, constante e regular dos bilhões de dólares de Angola aí investidos causaria um shock económico nos países onde foram investidos, com consequências no seu tecido social, financeiro e político. Por isso, Portugal e outros beneficiários da «fuga galopante» dos dinheiros de Angola estarão sempre reticentes em colaborar plenamente com Angola nesse repatriamento, porque não é no seu interesse nacional.

As autoridades do Estado, as organizações da sociedade civil, os opinion-makers da comunicação social e os influencers das redes sociais e a sociedade angolana, no geral, são de esperar que não sejam nem coniventes com a legitimização dessa nacionalização, temporária ou permanente, nem complacentes com os que delapidaram os fundos públicos para o interesse privado e de grupos, que demonstraram e continuam a exibir, com astúcia e arrogância, uma profunda falta de patriotismo, um desprezível sentido de pertença à angolanidade e um desrespeito total pelo interesse nacional de Angola. A vigilância exige-se, para não se cair no «Síndrome de Estocolmo» colectivo.

Issau Agostinho

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