A guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia completa um ano no próximo dia 24 de Fevereiro. Quais cenários e riscos prováveis poderão ser verificados durante o ano em curso, sobretudo, a partir do fim do inverno, ou além de 2023 em caso do seu prolongamento?
Como qualquer conflito armado, o seu prolongamento ou encurtamento depende do alcance dos resultados esperados em tempo preconizado pelos estrategas militares, dos obstáculos e condicionamentos no campo das operações militares e do envolvimento de partes terceiras em socorro a uma das partes, dentre outros factores de natureza humana, material, tecnológica e conjuntural.
No caso do conflito em causa, existe a percepção difusa – que não significa que seja verdadeira ou se é uma mera hipótese especulativa – de que a Rússia tivesse pretendido realizar uma operação, que designou Operação Militar Especial, em curto espaço de tempo, através da capitulação do governo de Kiev nas primeiras semanas do conflito, ou então, através da ocupação efectiva – militar, administrativa e política – das regiões de Donetsk e Lugansk, na parte leste da Ucrânia. Essa especulação é alimentada pelo facto de nas primeiras semanas do início da operação as forças militares russas terem circundado as regiões em torno de Kiev, sem contudo ter realizado a sua efectiva capitulação.
Que se trate de pretensão efectiva da ocupação ou não de Kiev nas primieras semanas, ou de uma mera especulação, o facto é que o conflito russo-ucraniano continua a produzir uma sucessão de fases e de respectivos cenários, que reflectem, em parte, uma constante adaptação do poderio ofensivo e defensivo de parte a parte. Em relação ao governo ucraniano, esse poderio deriva de uma enorme assistência militar da parte dos Estados da OTAN, com realce aos Estados Unidos, estimada em “(…) 29,3 mil milhões de dólares desde que a Rússia lançou a sua guerra premeditada, não provocada e brutal contra a Ucrânia em 24 de Fevereiro” (Cfr. US Department of State), ao passo que “(..) a UE, os seus Estados-Membros e as instituições financeiras europeias disponibilizaram cerca de 50 mil milhões de euros à Ucrânia, desde o início da agressão da Rússia” (Cfr. European Union Commission).
Cenário actual
O cenário actualmente em curso, que consiste no que considero ser tentativa de «consolidação das regiões-tampão» da Crimeia, a principal base naval da Rússia no Mar Negro, é o que decorre do pós-referenda de anexação ou adesão das denominadas repúblicas populares de Donbass e Lugansk, e de Kerson e Zaporíja à Federação Russa, no passado mês de Setembro de 2022.
Um dos cenários que previ na altura era que, como monido de não reconhecimento da validade daqueles referenda, a Ucrânia continuaria a sua ofensiva contra as regiões anexadas, e que a Rússia empregaria todos os assimétricos que possuía para defender o êxito daqueles 4 referenda. Hoje, decorridos 5 meses desde aquele evento, ambas as forças ucranianas e russas continuam a contender-se o predomínio militar e geográfico nas duas repúblicas, ao passo que as russas continuam a administrar a estação nuclear de Zaporíjia e a sua retirada para a margem direita do rio Dnipro em Novembro de 2022 pode ter representado uma victória moral às tropas ucranianas e um motivo de júbilo das populações locais.
Neste cenário, cuja dinâmica das operações pelos batalhões de infantaria parece ter reduzido de intensidade pela presença de neve e a sua transformação em poços de lamas, e a consequente redução da mobilidade dos meios e homens, parece haver uma espécie de impasse militar provisório. Aliás, com o início do inverno, assistiu-se ao que se designou ser «mudança de paradigma do conflito» que consistiu na passagem ou na coabitação entre actos de guerra convencional e actos de guerra híbrida com ataques com mísseis e drones contra as infra-estruturas energéticas e de aquecimento das cidades, dentre outros objectivos militares.
Cenários e riscos prováveis ao longo e além deste ano
Enquanto se assiste a esta espécie de impasse provisório provocado pelas dificuldades de manobrabilidade dos meios infantários no terreno – repita-se: no terreno, pois essa guerra combate-se noutros tipos de terrenos híbridos, independentemente da condição atmosférica existente – com o passar do inverno e a chegada da primavera receia-se a ocorrência de uma grande operação militar de parte a parte, que poderá ter efeitos no êxito de conflito.
Do lado ucraniano, o bloco ocidental mostrou-se disponível ao envio de centenas de tanques de guerra nos primeiros meses do ano, persegue a formação do Man-Power em técnicas de utilizo dos meios e em tácticas de combatimento, e o presidente ucraniano solicita o envio de caças bombardeiros. Do lado russo, prevê-se o ingresso em campo dos mais 300 mil efectivos recrutados nos últimos meses, e acredita-se que tenha meios técnicos em abundância para enfrentar esse grande embate de primavera e adiante, sendoa Rússia detentora de um dos maiores complexos militares industriais do mundo e a 5ª maior comercializadora mundial de armas (Ver em SIPRI), além de possuir uma grande vantagem estratégica e deterrente sobre a Ucrânia: a arma atómica estratégica e a táctica.
Assim, prevê-se que a primavera e o verão de 2023 serão a alta temperatura geoestratética, cujos cenários prováveis poderão ser prolongados no tempo, como se segue:
- A manutenção do status quo, se e quando os meios obtidos pela Ucrânia e o aumento da capacidade combativa pela Rússia não alterarem o quadro actual no teatro das operações combativas. Este cenário é altamente provável visto os antecedentes;
- A alternação parcial do status quo, isto se a Ucrânia conseguir obrigar as tropas russas a abandonar as posições ocupadas, pelo menos numa das 4 regiões acima indicadas, ou se a Rússia conseguir completar a ocupação das duas repúblicas populares. Este cenário é mediamente provável;
- Prolongamento do conflito, isto é, na ausência de um vencedor convicto desse conflito, e enquanto as partes continuarem inflexívies sobre as suas condições para a saída negociada dele, existe uma alta probabilidade de prolongamento do conflito, ou então terminar num armistício, repetindo-se o cenário da guerra coreina dos anos 1950. Este prolongamento poderá ser encurtado se houver mudanças substantivas nas políticas externas ou nas lideranças dos principais contendores, mas não levaria ao status quo ante, a menos que uma delas não reconhecesse a hipotética derrota política-diplomática e militar perante a sua opinião pública e acarretasse o ónus do desprestígio na arena internacional;
- Conflito internacional de alta ou baixa intensidade, isto poderá ser motivado pela percepção da presença de um ou mais actores internacionais capaz de alterar a balança do status quo ou do status quo ante, sobretudo dando apoio estratégico inesperado pela contraparte. Imaginemos um apoio militar e tecnológico explícitos do Irão, da Coreia do Norte, ou da China à Rússia. Esta eventualidade conduziria o bloco da OTAN a reagir, maximizando a animosidade já existente entre si. O risco eminente seria de uma confrontação militar a alta ou baixa intensidade, que, na impossibilidade de resolução, levaria a guerra nuclear. Este é um cenário que se conforma à medida que o conflito russo-ucraniano se torna mais longo e mais complexo, cuja verificação é improvável, mas não impossível;
- A Guerra nuclear está na natureza deste conflito, pelo simples facto que um dos dois contendores é a principal potência nuclear do mundo, a Rússia, e que o principal apoiante da causa ucraniana é a segunda potência nuclear, os Estados Unidos. Ora, sendo que a doutrina militar não considera o azar que uma potência nuclear seja derrotada por um Estado não-nuclear, existe o risco que a Rússia possa apertar o botão nuclear como ultima ratio, isto é, se for a última e única opção capaz de lhe garantir a sua sobrevivência – na eventualidade de a OTAN entrar no conflito ao lado da Ucrânia – ou victória – em caso de emprego de bombas tácticas, esperando que OTAN não reaja energicamente. Este cenário não é nem improvável, nem impossível. É tão-somente um cenário realístico!
Estes cenários, montados com base na percepção dos eventos históricos e hodiernos, podem ser desmontados na presença de uma forte vontade política e diplomática de todos os intervenientes resolverem o conflito russo-ucraniano – ou Operação Militar Especial – através da mediação, como apregoa o artigo 33º da Carta da ONU e de todo o capítulo VI e demais normas nele constantes. Ao fim ao cabo, em caso deste último cenário, duvida-se que inclusive tais decisores políticos se podem garantir que sobreviveriam aos efeitos radioactivos de bombas nucleares! A solução pacífica deste conflito é o antídoto ao risco de um conflito nuclear, que não teria senão vencidos!
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