Como parte da análise sobre a direcção da política externa dos Estados na era Trump, a Directora do Comitê Editorial da revista IlGeopolitico, Dra Noemi Pasquarelli, entrevistou o Diretor desta revista para apresentar sua visão sobre o tema em referência. Abaixo está um resumo do diálogo com o Director sobre a África.
- Política Africana
Noemi Pasquarelli (P. N.): Diretor, como caracteriza a situação política e internacional Africana?
Issau Agostinho (IA): África em geral e, em particular, a África subsaariana continua a ter vários problemas e desafios que constituem, por um lado, uma ameaça para a segurança e prosperidade dos africanos, mas, por outro, uma oportunidade para a cooperação inter-Africana e internacional, a fim de garantir ao continente a “paz perpétua”. Quais são os problemas e desafios a que me refiro?
“A África Subsariana continua a ter vários problemas e desafios …
… pensemos em desigualdades e na pobreza generalizada,
dos quais, derivam, naturalmente, os fenómenos de imigração ilegal e
fuga de cérebros da África para o Ocidente, mas também para o Oriente “
N.P:. De facto, quais os problemas e que desafios são esses?
I.A:. Bem, os problemas africanos são inúmeros e históricos; pensemos, por exemplo, na questão das desigualdades e da pobreza generalizada das quais, naturalmente, derivam os fenómenos migratórios ilegais e fuga de cérebros da África para o Ocidente, mas também para o Oriente. Segundo dados, da África partiram no ano de 2016 mais de 200.000 pessoas que fogem destes problemas e se a tendência continuar, em 5 anos, a África vai perder mais de um milhão de sua força de trabalho essencial para o bom funcionamento da economia das sociedades africanas, enquanto que os dados da fuga de cérebros da África crescem com o aumento dos níveis de insegurança e de falta de liberdades acadêmicas e de apoio às atividades científicas de investigadores africanos.
Há também problemas de refluxos nos processos democráticos africanos; pensemos, por exemplo, no referendo no Congo e no Ruanda, que permitirá que os presidentes actuais possam permanecer no cargo, independentemente do fim de seus mandatos; na participação política dos africanos nestes processos democráticos, que é muitas vezes desencorajada pelas entourages políticas no poder. Se olhar ao Índice Ibrahim de Boa Governação vai constatar que em 2015, por exemplo, apenas a Cote d’Ivoire teve uma avaliação positiva, enquanto que para Arch Puddington e Tyler Roylance “retrocessos democráticos e violência desencadeada pela manipulação dos líderes africanos de limites de prazo foram compensadas por eleições bem sucedidas e transferências pacíficas de poder em países-chave durante 2015”. O que não deixa de ser preocupante.
A integração continental regista igualmente um fracasso ao nível de programas previstos para o rilanciamento dessa integração, como é o caso de NEPAD que se transformou na Agenda 2063, bem como uma certa incapacidade da União Africana em adoptar e implementar uma política comum de controlo de migração da juventude Africana, de milhões de jovens africanos, e na resolução dos conflitos internos na República Democrática do Congo, no Burundi, na Líbia, além de Somália, agora um failed state. Problemas sociais e políticos que parecem não ter fim.
N.P:. E quando falou em desafios, quais são esses especificamente?
- A:. Os desafios, cara Directora, são esses problemas que deveriam e devem ser resolvidos utilizando recursos locais e externos …
N.P:. … Que recursos são esses? Pensa-se que muitos dos conflitos em África derivam dos recursos naturais de África?
I.A:. … Os recursos são fundamentalmente os próprios africanos. O Homem Africano deve reforçar a consciência de sua própria existência; isto é, a primeira condição da solução de problemas é ser consciente de que existem tais situações problemáticas que devem ser abordados em conjunto, numa perspectiva endógena, como um acto de emancipação de suas habilidades de gestão de crise e de superação natural de dificuldades. Portanto, somente reconhecendo que existem problemas e conhecendo a natureza desses problemas (políticos, econômicos, sociais, internacionais e uma dependência externa contínua, em alguns casos) África vai encontrar padrões de vida social e de prosperidade coletiva.
No entanto, os recursos externos consistem, evidentemente, em pôr em prática um de tipo de acordo de cooperação mutuamente vantajoso para a África e o resto do mundo, sem nunca afectar a sua soberania nem colocar em perigo o futuro das gerações africanas. Ou seja, as gerações de africanos de hoje têm o dever moral e categórico de garantir a melhoria do status da “soberania” e da “liberdade” que o continente conhece desde os anos 60. E este desafio pode ser realizado em conjunto com os parceiros externos que hoje, assim como no passado, foram fundamentais na emancipação Africana, sem perder de vista que a tarefa e o interesse devem, naturalmente, começar dos próprios africanos.
“O Homem Africano deve reforçar a consciência de sua própria existência;
isto é, a primeira condição da solução de problemas é ser consciente de que existem tais situações problemáticas que devem ser abordados em conjunto, numa perspectiva endógena”
N.P:. Como a administração Trump poderá intervir em África. Os africanos têm boas expectativas em relação a esta nova presidência dos Estados Unidos?
Nesta ordem, gostaria de fazer duas ou três notas. A primeira, a intervenção de qualquer país deve ocorrer por meio da relação bilateral ou multilateral existente. Neste caso, os EUA têm interesses em África, mas os africanos têm também interesses nos Estados Unidos, quer no âmbito de AGOA, quer no contexto da promoção da paz e da segurança e de criação de ambiente de investimento satisfatório aos dois parceiros.
A segunda nota, no entanto, a África não é um país, mas um continente. E isso significa que embora haja um escritório específico no Departamento de Estado encarregue de executar política africana, os Estados Unidos devem adoptar uma intervenção que se adapte a realidade de cada um dos 54 Estados africanos. Por exemplo, a linha de acção e cooperação bilateral entre os EUA e o Egipto não será a mesma na Nigéria. Ou seja, um continente, uma política Africana, mas várias linhas adaptadas à realidade de cada Estado.
“Os Estados Unidos devem ter um total de intervenção
que se adapte a realidade de cada um dos 54 Estados africanos”
E, finalmente, a nova administração não parece ter uma linha clara, não só no que diz respeito à política externa para a África, mas também aos outros países e outras questões de interesse da comunidade internacional: a cooperação com a Rússia, China, UE e OTAN, os Acordos de Paris de 2016 sobre o controlo do aquecimento global. No entanto, a África, como eu disse antes, é uma questão africana que deve ser equacionada pelos africanos. Eu acredito que a era em que a África era imóvel, esperando por um salvador tem que acabar e está chegando ao fim. Hoje em África há exemplos de países que deram passos e querem seguir o caminho sozinhos, isto é, sem interferência estrangeira que, em muitos casos, tornou-a paralítica, optando pela construção de uma cooperação win-win com todos os países do mundo, os EUA e a China incluindos.
Portanto, a administração Trump não deu até agora nenhuma demonstração de como será a sua política externa em relação à África. No entanto, perguntar-me-ei se a África está completamente pronta; se há uma voz comum ou se cada um dos países africanos tem já desenvolvida a sua agenda e estar pronto para responder à visão desta administração quando será conhecida…?
“Eu acredito que a era em que a África era imóvel,
esperando por um salvador tem que acabar e está chegando ao fim.
Hoje em África há exemplos de países que deram passos e
querem seguir o caminho sozinhos,
isto é, sem interferência estrangeira que, em muitos casos,
tornou-a paralítica, optando pela construção de uma cooperação
win-win com todos os países do mundo, os EUA e a China incluindos”
N.P:. E já há alguma?
I.A: Eu acho que tem que haver alguma, até mesmo como continuidade do interesse de ambos os parceiros: AGOA, no entanto, pode estar em risco de vida se levarmos em conta que o actual Presidente tem como agenda refazer ou retirar os EUA dos acordos comerciais como NAFTA e TPP (negociado por Obama, mas que nunca foi aprovado pela maioria republicana no Congresso). Dito isto, embora a percentagem das exportações africanas para os Estados Unidos, no âmbito do AGOA, não é expressiva, os Estados africanos beneficiários deveriam preocupar-se, bem como a União Africana deve preocupar-se pelo facto de que cidadãos de certos Estados membros da organização (Sudão, Somália e Líbia) já não poderão viajar para os Estados Unidos, numa altura em que a organização africana quer implementar o passaporte africano que permitirá aos cidadãos africanos uma maior mobilidade dentro do continente e no exterior.
N.P:. Em conclusão, como perspectiva política africana em 2017?
I.A:. Será uma África que irá registar um baixo nível de crescimento económico, talvez a baixo de 2%, especialmente se as economias apoiadas pelo petróleo continuarem a ser vítimas da situação internacional.
Na Líbia poderão ocorrer tentativas de formação de governos de unidade e estabilidade, graças em parte aos esforços russos, enquanto o Reino de Marrocos vai continuar a sua aproximação à União Africana, apesar de que o dossier Sara Ocidental, em seguida, irá revelar-se insustentável e afectar esta reconcilição.
No Congo Kinshasa, o Presidente Kabila será forçado a deixar o cargo graças a transição política em Angola, isto é, se o Presidente de Angola deixar o poder em 2017, Kabila vai perder um grande aliado e encontrar-se cercado e forçado a sair também pela força dos acordos de Dezembro de 2016. Ainda sobre Angola, se as eleições gerais deste ano forem justas e transparentes, as autoridades angolanas poderão merecer uma apreciação no Índice Ibrahim. Se o presidente dos Santos deixar a vida activa poderá inclusive ser um dos candidatos elegíveis ao Prémio Ibrahim, como aconteceu com Joaquim Chissano, em 2007. Mas a maior preocupação em termos instabilidade político-militar será novamente o corno de África, enquanto que alguns Estados apresenterão níveis encorajadores de estabilidade política e de segurança, tais como a Gâmbia, Burkina Faso e na República Centro Africana.
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