A corrida às armas nucleares e o risco de emergência de proxy war nuclear


A proliferação e os testes das armas nucleares estão banidas pelas convenções internacionais, algumas das quais datam desde o período da Guerra Fria. Como é que os “apetites nucleares” dos Estados podem precipitar a passagem da guerra por procura convencional à guerra por procura nuclear no sistema internacional? Estamos perante o começo da Era do Equilíbrio Nuclear Multipolar (EENM) num sistema que se quer multipolar?


O NPT de 1968 não “travou” a proliferação nuclear

A tecnologia nuclear e o seu emprego na produção de dispositivos militares nucleares, da classe de Armas de Destruição de Massa ou WMD na sigla em inglês, permitiu a obtenção e produção de bombas nucleares pelos EUA e pela URSS ao longo da década de 1940, dando início ao que se designa por Idade ou Era Nuclear em Relações Internacionais.

Se é verdade que no campo de conflito mundial, o lançamento pelos EUA das bombas nucleares Little Boy sobre Hiroshima, a 6 de Agosto de 1945, e de Fat Man sobre Nagasaki três dias mais tarde, obrigou o Impero Nipónico a rendição e a capitulação, ao nível da dissuasão estratégica os efeitos catastróficos provocados sobre aquelas duas cidades e suas populações suscitaram nos demais Estados mais do que restrição a manifestação de “apetites nucleares”, que redundaram na primeira corrida nuclear pós-Era Nuclear e na obtenção da tecnologia, construção de reactores e produção de combústivel nuclear, essenciais à produção da bomba nuclear.

Face ao crescente risco de conflitos nucleares, como se verificara durante a Crise de Mísseis de Cuba, em Outubro de 1962, além do risco de utilização de armas nucleares durante a Guerrra da Coreia entre 1950-1953, as Nações Unidas aprovaram, pelo menos, duas resoluções emblemáticas no domínio da contenção e/ou controlo da proliferação nuclear: a Resolução 1665, de 4 de Dezembro de 1961, e a Resolução 2373, de 12 de Junho de 1968. Enquanto a primeira afirma que «(…) os países que já possuem armas nucleares “comprometem-se a abster-se de ceder o seu controlo” a outros e a “abster-se de transmitir informações para o seu fabrico a Estados que não as possuam”» (Ver em Arms Control), a segunda aprovou o documento contendo o texto da Convenção sobre Não Proliferação de Armas Nucleares (NPT), em vigor desde 1970. Como se sabe, o NPT rubricou o compromisso de não cedência de tecnologia nuclear aos Estados não nucleares partes ou não do NPT.

Face a obtenção de armas nucleares pelos Estados sucessivamente à aprovação e entrada em vigor do NPT, tais como – e oficialmente – a Índia ou Paquistão, entre a década de 1970 e 1980, ou a Coreia do Norte, oficialmente a partir de 2018, para não mencionar Estados que se crê possuam armas nucleares não declaradas oficialmente, como é o caso de Israel, tudo isto revela que o NPT não travou a proliferação de armas nucleares nas últimas décadas.

Nova corrida nuclear como arma de proxy war entre potências nucleares tradicionais

A característica essencial na transmissão da tecnologia nuclear dos Estados nucleares aos Estados não nucleares consiste, de um lado, na existência de uma espécie de aliança natural ou potencial do tipo ideológico-militar entre o Estado que cede e o que recebe a tecnologia nuclear, e, de outro lado, no emprego instrumental dessa tecnologia para a prossecução de armas nucleares ou de chantagem nuclear capazes de criar um equilíbrio táctico-estratégico sentido ou real entre as potências nucleares à escala regional e internacional.

No primeiro caso insere-se a Coreia do Norte, que, não obstante sanções económicas multilaterais aprovadas na primeira década de 2000 pelo Conselho de Segurança, conseguiu desenvolver tanto a sua tecnologia nuclear, quanto as capacidades de transporte intercontinental atráves dos ICBM, capazes de transportar múltiplas ongivas nucleares para distâncias superiores a 10.000 quilómetros. Todavia, se naquele período houve um consenso de sancões à Coreia do Norte, hoje, o mesmo Conselho de Segurança não obteve o consenso com vista à renovação do mandato dos Observadores do Cumprimento de Sanções pela Coreia do Norte, dado o veto da Rússia. Naturalmente, este veto lê-se e compreende-se no actual contexto da reaproximação entre a Rússia e a Coreia do Norte, mas também, pela existência de uma aliança quase natural do tipo ideológico-militar entre ambos os Estados, pois, durante a Guerra Coreana, a Coreia do Norte teve o apoio da URSS, cuja herdeira, a Rússia, pensa-se que obtenha apoio militar da Coreia do Norte para a sua Operação Militar Especial em curso na Ucrânia

No segundo caso insere-se o Irão, que, não obstante se pense não possuir ainda a arma nuclear, acredita-se que esteja em vias de obtê-la nos próximos anos, sobretudo se o clima de rivalidade com o Israel e os EUA continuar a ser de maior confrontaçao quer directamente entre si, quer por procura no Médio Oriente, através de envolvimento de seus aliados estatais e para-estatais no Yemen, Síria, Iraque e Líbano. Neste caso, não obstante a ausência de arma nuclear, a chantagem nuclear é instrumental à prossecução da percepção de potência regional e do equilíbrio táctico-estratégico pelo menos com Israel, se virmos o tit for tat dos ataques directos entre Israel e Irão ou viceversa nas últimas semanas.

Ao nível táctico-operativo, e numa altura em que mais Estados obtêm ou procuram obter armas com a tecnologia nuclear (os submarinos da Austrália no âmbito da aliança AUKUS, os submarinos brasileiros no âmbito da parceira com a França, a central nuclear turca em colaboração com a Rússia, o pedido da Polónia de albergar armas nucleares da NATO, etc), o quadro que emerge é do elevado risco da passagem de uma era de Guerras por Procura Convencionais, para Guerras por Procura Nucleares, pelo menos na sua componente táctica, isto é, do uso de armas nucleares tácticas de menor poderio destrutivo, ou na sua componente estratégica, isto é, da chantagem nuclear de um Estado menor face à uma potência nuclear maior, como é o caso dos submarinos nucleares da Austrália vis-à-vis China no Indo-Pacífico, sendo Australia aliada dos EUA e do Reino Unido, já que sem estes últimos a Austrália não “ousaria” desafiar a hegemonia chinesa naquele hemisfério.

Entretanto, mesmo em face do risco de emergência de proxy war nuclear à escala quase internacional, concretamente no Leste Europeu, na Ásia Central, no Indo-Pacífico e no Médio Oriente, o carácter dissuasor das armas nucleares (tácticas ou estratégicas) pode conduzir a uma nova Era nas Relações Intarnacionais: a Era do Equilíbrio Nuclear Multipolar, que coincide com a aposta e apelos dos Estados para um sistema multipolar, na medida em que o original Club Nuclear dos 5 expandiu-se em número, em alcance geoestratégico, em velocidade e no raio de alcance das armas nucleares. Essa era, em sigla EENM, não só representa o fim do NPT de 1968, como também o começo da nova coexistência pacífica pós-Guerra Fria: a Coexistência Nuclear, que marca para as potências menores a sua sobrevivência “incontestável” pelas armas convencionais, e para as potências maiores o fim da hegemonia nuclear no sistema internacional, porém, o início da guerra por procura de tipo nuclear quer por chantagem, quer por uso táctico.

Em síntese, a nova corrida às armas nucleares persegue a lógica do maior equilíbrio militar não mais entre as anteriores potências nucleares apenas, mas sim entre essas com as novas potências nucleares, aumentando o risco de guerra por procura nuclear, mas também a emergência de uma Era de Equilíbrio Nuclear Multipolar, que, a nível prático, continuará a alimentar o medo de guerra nuclear directa enquanto não houver uma nova arquitectura de segurança internacional pós-NPT de 1968.

Issau Agostinho

 

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