Notas sobre a cooperação internacional no domínio da formação de quadros. Instrumento de Poder Brando? (1/2)


A cooperação internacional no domínio da educação e da formação de quadros constituiu uma prioridade das políticas e diplomacias das nações e dos programas e missões de Organizações Internacionais e Regionais, cujas finalidades e beneficiários variam de nação e/ou de organização e das suas visões geostratégicas e geopolíticas ou, simplesmente, dos seus compromissos humanitários.


Vejamos sucessivamente alguns dos compromissos assumidos a nível da ONU, e como é que a educação pode ser instrumental ao Soft Power (Poder Brando) das nações, mesmo no contexto desta cooperação.

ONU e educação para desenvolvimento

Dado o seu alcance global, a Organização das Nações Unidas é das maiores empregadoras de quadros do mundo, com cerca de “125,436 pessoal, sendo 30% empregue na ONU, 12% UNICEF e 10% UNHCR (Fonte: https://unsceb.org/hr-organization).

A sua dimensão internacional e as inúmeras agências e sub-organizações regionais de que se compõe tornam-no no conceptor e promotor de programas e objectivos globais relativos à educação e formação de quadros no seio dos Estados-membros, com realce para os LDC  (Países Menos Desenvolvidos ) ou PVD (Países em Vias de Desenvolvimento), no Sul Global. Já os níveis de acesso profissional distinguem-se em YPP, P, D ou G.

O YPP (Young Professional Program) são concursos internacionais de acesso aos organismos das Nações Unidas, geralmente anuais, destinados aos jovens profissionais com zero ou pouca experiência laboral. Uma vez admitidos e acumulados alguns anos de experência, poderão aceder aos níveis sucessivos, quais P (Professional, que estabelecidos com base em experiência acumulada, categorizam-se em P1, até 1 ano, P2, até 2 anos, P3, até 5 anos, P4, até 7 anos e P5, até 10 anos).  Segue-se o D, Director, Directores das Agências e de Organismos da ONU (D1, até 15 anos e D2, mais de 15 anos). Outras categorias são G, General Services, ou Administração e/ou Secretariado (de G1 a G7, cujo número representa o ano ou anos de experiência adquirida).

A UNESCO, Organização das Nações para Educação, Ciência e Cultura, criada em 1945, enquanto agência especializada da ONU visa, dentre outras, “(…) construir a paz através da cooperação internacional nos domínios da educação, das ciências e da cultura” (Fonte: https://www.unesco.org/en/history). Sendo uma agência nascida nos escombros da II Guerra Mundial, o seu objectivo primário é o da contribuição do alcance da Paz Internacional através da educação, conforme o Capítulo 1, artigos 1º e 2º da Carta da ONU (Fonte: https://www.miur.gov.it/documents/20182/4394634/1.%20Statuto-onu.pdf).

No caso, a educação, além de ser um objectivo de e na cooperação internacional, é, também, um instrumento de cooperação internacional para a paz e o progresso internacionais, sendo, inclusive, um dos pilares tanto da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948, do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), de 1966, como dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), de 2015, nota Agenda 2030.

De facto, a DUDH torna a enfatizar o carácter instrumental da educação como factor de cooperação internacional, mas, sobretudo, como condição essencial para o usufro dos direitos humanos. Isto é, como se lê no preâmbulo:

“(…) que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adopção de medidas progressivas de carácter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efectivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição” (Preâmbulo da DUDH, 1948. Fonte: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos).

Já o artigo 22 da referida declaração, ao sancionar que “Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país” (idem), posiciona-se como fundamento doutrinário do PIDESC, em vigor desde 1976, com realce para o direito à educação consagrado no artigo 13 deste pacto. De acordo com este postulado,

“Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa à educação. Concordam que a educação deve visar o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido da sua dignidade e reforçar o respeito pelos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Concordam também que a educação deve habilitar toda a pessoa a desempenhar um papel útil numa sociedade livre, promover compreensão, tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais, étnicos e religiosos, e favorecer as actividades das Nações Unidas para a conservação da paz” (PIDESC, 1976)

Com vista ao alcance deste direito, o Pacto prevê nas alinhas a), b), c), d) e e) do artigo supramencionado, uma série de níveis de ensino, desde o primário ao superior, cuja implementação pelos Estados-membros tanto deste direito como dos demais constantes deste Pacto acontece “(..) quer com o seu próprio esforço, quer com a assistência e cooperação internacionais, especialmente nos planos económico e técnico, no máximo dos seus recursos disponíveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto por todos os meios apropriados, incluindo, em particular, por meio de medidas legislativas” (idem, parágrafo 1, art.2º).

Apesar do insucesso dos 8 Objectivos de Desenvolvimento de Milénio (ODM, 2000-2015), com destaque para o 3º relativo a garantia de acesso à educação básica para todos, os seus substitutos, os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS, 2015-2030, ou Agenda 2030) contemplam no 4º, Educação de Qualidade, um conjunto de medidas destinados a garantir o acesso à educação a todos, sem excepção, incluindo a possibilidade de acesso à 

“(…) bolsas de estudo para os países em desenvolvimento, em particular os países menos desenvolvidos, pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos, para o ensino superior, incluindo programas de formação profissional, de tecnologia da informação e da comunicação, técnicos de engenharia e programas científicos em países desenvolvidos e outros países em desenvolvimento” (ODS, 4º, 2015. Fonte: https://unric.org/pt/objetivo-4-educacao-de-qualidade-2/).

Dada a inter-dependência que existe entre os vários documentos programáticos e acordos internacionais supra-elencados, a UNESCO exerce um papel notável no cumprimento do 4º ODS no seio de Países-membros.  Para o efeito, estão em execução pelo menos 14 projectos conexos a este objectivo, nas áreas de educação, ciências sociais e humanas, ciências naturais, cultura e comunicação e informação no Burundi, RCA, Congo, Camarões, Gabão, G. Equatorial, S.T. e Príncipe, Tchade e Angola, para o triénio 2022-2025. Secondo consta, um dos objectivos esperados do projecto ligado às ciências naturais é o “Reforço das capacidades institucionais e humanas no ensino de STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics isto é, Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), de forma a transformar o género para o desenvolvimento sustentável” (UNESCO, 2023. Fonte: https://core.unesco.org/en/country/AGO/beneficiary).

Continua…

Issau Agostinho

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