A guerra comercial entre os EUA e a China, a suspensão do INF, o ápice de partidos políticos de extrema-direita europeia, a não consumação do BREXIT, a instabilidade na Líbia, o combate a Daesh na Síria, a victória de Tchissekedi na RDC, o combate à corrupção em Angola, foram alguns dos maiores acontecimentos registados no contexto internacional no ano findo. Como se perspectivará o ano de 2020?
A guerra comercial EUA-China
A guerra comercial entre as duas maiores economias mundiais, deriva da percepção da Administração Trump, de que a China estaria a tirar grandes vantagens económicas às baixas tarifas de exportação dos seus bens e serviços aos Estados Unidos, cujo déficit da balança comercial é de mais de 400 mil milhões de dólares em prol da China.
Por isso, em 2018, a Administração Trump aprovou o aumento das tarifas aos bens importados da China, cuja taxa tarifária passou dos 10% aos 25%, para um total de 250 mil milhões de dólares, ao que a China retaliou, impondo tarifas adicionais aos bens e produtos estado-unidenses exportados num valor de 110 mil milhões de dólares, ambos com efeitos imediatos ou a partir de 1 Janeiro 2019. De acordo com China Briefing, desde o início desta contenda, as tarifas impostas aos produtos chineses amontam aos 550 mil milhões de dólares, enquanto que as impostas aos produtos estado-unidenses aos 185 mil milhões de dólares.
As negociações com vista a ultrapassar esta problemática, produziram a assinatura da Primeira Paz Comercial entre o presidente Trump e o Vice-Premier chinês, Liu He, a 15 de Janeiro 2020, em Washington. Em linha de máxima, os EUA reduzirão as tarifas já impostas, enquanto que a China comprará mais produtos agrícolas dos EUA, satisfazendo, assim, os agricultores estado-unidenses que viram suas vendas à China reduzir em cerca de 40%. Todavia, esta paz comercial não eliminou – e nao vai eliminar, por razões óbvias – todas as tarifas em vigor, o que perfaz crer que a mesma entra, por agora, no cálculo político-eleitoral do presidente Trump, já que os agricultores e outros sectores comerciais, que constituem uma importante base eleitoral daquele, começavam a mostrar-se indispostos a apoiar a guerra das tarifas que lhes retirava um importante mercado, o chinês.
Prevê-se que durante o ano corrente, as partes deverão passar a Fase II, que será condicionada pela re-eleição de Trump para a Casa Branca, em Novembro próximo. Em caso de victória, a Administração Trump terá maiores probabilidades de exacerbar a guerra comercial, não só com a China, mas também com outros parceiros comerciais com os quais os EUA registam déficit na balança comercial.
A tensão militar EUA-Irão
Uma das maiores conquistas que compõem o legado da presidência Obama foi, sem dúvidas, o Acordo nuclear (JCPOA) assinado entre os 5+1 (os 5 membros do Conselho de Segurança da ONU e Alemanha) e o Irão, em 2015. Este acordo previa o não enriquecimento do urânio pelo Irão, a monitoria das suas instalações nucleares pela Agência Internacional de Energia Atômica, tudo num período de 15 anos, enquanto que os EUA e os seus parceiros europeus levantariam as sanções económicas contra o Irão, que passou a partecipar da vida financeira e comercial mundial sem restrições. A retirada das sanções garantiram à economia iraniana uma taxa de crescimento económico de 12% em 2016-2017.
Ora, para o presidente Trump, motivado – segundo alguns experts – em desmantelar o legado do seu predecessor, este acordo não era nem justo, nem garantia que o Irão, de facto, abandonasse a sua ambição nuclear. Com a renúncia unilateral deste acordo em Maio de 2018, a Administração Trump voltou a aprovar sanções económicas contra sectores de energia e finanças iranianos, proibindo empresas e entidades estrangeiras de efectuar actividade comercial alguma com aquele país, sob pena de multas da parte do Tesouro dos EUA.
Esta medida de Washington, inserida na estratégia “Maximum Pressure”, de um lado provocou uma recessão económica do PIL iraniano, calculada em 10% em 2019, e o aumento da taxa de desemprego em 16% no mesmo ano, o que provocou enormes manifestações populares contra o regime de Ayatollah. De outro lado, a União Europeia condenou a saída unilateral dos EUA do JCPOA, procurou formas alternativas que permitissem suas empresas de fazer negócios com Irão, porém até agora com resultados escassos. Tudo isso, não só resultou no aumento da tensão diplomática entre ambos, mas também não obteve o resultado esperado em termos de redução da influência iraniana no Médio-oriente, sobretudo no Iraque, no Líbano e na Síria, e da sua assertividade contra os EUA, que viram mesmo um drone seu abatido pelo Irão em Junho de 2019, por, segundo Teerão, ter violado seu espaço aéreo.
Com a eliminação pelos EUA, bem no início de 2020, do General Qassim Soleimani, chefe da Niru-ye Qods, unidade das Guardas Revolucionárias Iranianas responsável pela difusão da influência iraniana naquela região, e a retaliação iraniana com o lance de míssies balísticos contra as based de Ayn al-Asad e Erbil, que albergam militares dos EUA, no Iraque, pode-se afirmar que a tensão ganhou uma dimensão bélica jamais vista desde a guerra Irão-Iraque de 1980-1988, e o quadro geral poderá ser pior neste ano de eleição presidencial nos EUA, com Trump que aponta para a sua re-eleição e desafiante contra o processo de impeachment a que foi submetido pela Câmara dos Representantes, que o acusa de abuso de poder, por ter alegadamente solecitado ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskij, de investigar o filho de Joe Biden, provável oponente do partido democrático na eleição de Novembro deste ano.
Prevê-se uma política de impasse contínua, agravada com o envio de contingentes militares dos países membros da OTAN na região, para dar corpo a Maximum Pressure da Administração Trump. Sem uma negociação directa entre os EUA e o Irão, ulteriores acções militares poderão ser ainda mais catastróficas, com este último disposto a defender-se para manter seu regime intacto.
Eco, Sahel e Líbia
A comunidade Económica de Países da África Ocidental (CEDEAO), previa o lançamento da sua moeda ragional, intitulada Eco, em 2020, totalmente separada do Franco CFA, que é usada por 16 países da África Central e Ocidental, pelo menos desde 1945. Todavia, com Alassane Ouattara como presidente rotativo da CEDEAO, o Eco parece ser o novo nome do Franco CFA, mantendo a sua ligação com a França (onde continuará a ser imprensa e mantido pelo Banco central daquele país), e a taxa de câmbio fixa com o Euro. Num acto de denúncia, de 16 de Janeiro de 2020, os ministros de finanças de 6 países membros desta organização, isto é, a Nigéria, o Ghana, Gâmbia, Libéria, Serra Leoa e Guiné demarcaram-se da adesão ao Eco com este formato, considerado como sequestrado pela França, que pretende que o mesmo seja uma extensão ou continuidade do Franco CFA sob novo nome.
Já no Sahel, os 5 países da região (G5), nomeadamente, o Mali, Níger, Chad, Burkina Faso e a Mauritânia estiveram em Paris, na última semama, para com o presidente Macron, discutir formas eficazes de combate a grupos rebeldes que perigam a segurança na região. Durante o encontro, o presidente Macron mostrou-se determinado em continuar a manter aí o contigente militar de mais de 5 mil soldados franceses, numa altura em que se verificam manifestações populares em Dakar contra aquela presença militar no Mali.
A corrente situação no Sahel mereceu um reparo oportuno pelo presidente angolano, João Lourenço, durante a cerimônia de cumprimentos de Ano Novo ao corpo diplomático acreditado no país, realçando a incapacidade da União Africana de assumir um papel mais activo na resolução dos conflitos naquela região, “deixando os povos da região do Sahel entregues, mais ou menos, à própria sorte”.
Tanto o dossier Eco na CEDEAO (e mais tarde na CEEAC), quanto a presença de militares franceses no G5 Sahel, demonstram a determinação da França em manter a sua influência paternalista – com a cumplicidade de líderes locais – no continente africano. A semelhança do presidente Trump, cuja impopularidade lhe impulsiona a uma maior intervenção externa, também o presidente Macron, contestado por Coletes Amarelos e Sindicatos, continuará a ter uma maior presença naqueles países, como forma de atração da simpatia e aceitação pelos seus concidadãos, evitando o risco de um só mandato, como aconteceu com Sarkozy e Hollande.
Todo este quadro de ingerência de forças externas, tem um uma maior expressão na Líbia, onde, desde a queda do regime de Cadaffi, em 2011, o país vive num caos jamais visto desde a crise de 1969. Hoje com dois governos paralelos, um reconhecido pela comunidade internacional e baseado em Tripoli, e guidao por Al Sraraj (com Itália como maior aliado, e Turquia), e outro guiado por Haftar, apoiado pela Rússia, França, a Líbia representa, hoje, a incapacidade de governos africanos de sobreviverem num clima internacional onde os interesses e as ambições dos países mais fortes prevalecem sobre a ordem e legalidade do sistema internacional. Contudo, com a falta da vontade política entre Al Sarraj e Haftar, para um compromisso da saída da crise, a actual situação política e militar continuará, e a comunidade internacional estará no campo para a satisfação dos seus interesses, quer aliando-se com Haftar, quer com Al Sarraj, acelerando a destruição de um país uma vez dos mais estáveis no norte de África.
Putin prepara a Rússia ao novo ordenamento pós-Putin
Com o fim do seu mandato presidencial previsto para 2024, o presidente Putin anunciou, durante a habitual mensagem ao Duma, o novo sistema de governo que implicará, naturalmente, alterações substanciais na constituição do país, que prevê a adopção do sistema de tipo parlamentar, a quem incumbirá a nomeação do Primeiro-ministro. As actuais funções presidenciais, eventualmente, passarão ao Conselho de Segurança do Estado, onde o Primeiro-ministro demissionário, Medvedev, será o seu director adjunto, e Putin seu presidente. Isto significará que o futuro presidente da Rússia, a partir de 2024, terá poderes limitados, equiparando-os aos presidentes em regimes parlamentares europeus (Portugal, Itália, Alemanha, entre outros), ou ao presidente iraniano.
Essa medida, já contestada pelos seus opositores, pretende garantir à Rússia uma maior estabilidade política e social, bem como a manutenção do status quo de potência mundial que granjeou durante a liderança de Putin, sendo hoje um actor incontornável na política internacional, capaz de contrastar a posição hegemônica que os EUA estavam habituados a assumir, sem contrastes, desde a queda do Muro de Berlim, pelo menos ao nível do arsenal militar, cyber-segurança e apoio a regimes contrários aos interesses de Washington (como o regime do presidente Maduro, em Venezuela).
A China será a primeira economia mundial
O ano de 2020 marca também o início de mais uma década, a 2020-2030.
Durante esta década, as projecções económicas mostram que a China ultrapassará os EUA como a primeira economia mundial. O trend do crescimento económico da China, desde a sua integração na Organização Mundial do Comércio, em 2001, tem sido positivo e contínuo. Se em 2000 tinha um PIB de 2,2 trilhões de dólares, contra 12,6 dos EUA, em 2020 passou de 2,2 a 16 trilhões de dólares, face aos 20 trilhões dos EUA. Porém, as projecções de Iman Ghosh estimam que em 2030, o PIL chinês será de 26,5 trilhões de dólares, contra os 23,5 trilhões dos EUA.
Em fim, o ano parece novo, mas os desafios e os interesses são os mesmos, e vencerá quem tiver maiores e melhores alianças, num sistema cada vez mais multipolar, difuso e inseguro, embora economica e tecnologicamente ambicioso.
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